O otimismo surreal de Benigni

Chamado de canastrão e imitador por muitos, adorado por outros tantos, o cineasta e ator italiano Roberto Benigni é o que chamo de otimista surreal. Exatamente por isto eu gosto dos seus filmes.

Em “A Vida é Bela”, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1998 e tornou Benigni conhecido do grande público, esse tipo de otimismo a que me refiro se traduz na capacidade de um pai superar todos os obstáculos para proteger a inocência de seu filho de 4 anos. A história se passa durante a Segunda Guerra, mais precisamente num campo de concentração nazista, para onde Guido (personagem vivido pelo próprio Roberto Benigni), sua esposa Dora (interpretada pela atriz Nicoletta Braschi) e o filho Giosué (vivido de forma esplêndida por Giorgio Cantarini) são levados pelo simples fato de serem judeus.

Mesmo tendo que lidar com a brutal crueza daquele cotidiano, Guido consegue manter acesa a esperança de, ao menos, fazer a sua criança acreditar que tudo não passa de uma grande brincadeira. Quem já assistiu a esse filme entenderá exatamente a dimensão surreal do otimismo de Benigni.

Algo semelhante pode ser visto em “O Tigre e a Neve”, de 2005, que outra vez tem Nicoletta Braschi como protagonista, além das participações do ator Jean Reno e do músico e ator Tom Waits (suas aparições ao piano, com aquela voz inconfundível, são um toque de luxo ao enredo!). Nesta obra o cineasta assumidamente fã do lendário Federico Fellini conta uma história de amor também em tempos de guerra (no caso, a recente invasão do Iraque pelos Estados Unidos e seus aliados).

Roberto Benigni é Attilio de Giovanni, um poeta e professor de poesia que ama perdidamente uma mulher, que não corresponde ao seu amor. Carismático e bem humorado, Attilio é daqueles românticos e idealistas quase ingênuos que jamais veem obstáculos na vida real ou talvez criem os mais incríveis enredos para não vê-los. Ele coloca isto a prova quando abandona tudo ao receber a notícia que a sua amada foi mortalmente ferida em Bagdá.

Trata-se de um drama recheado de momentos cômicos, como os demais trabalhos desse cineasta. Ele consegue um meio termo interessante entre uma história densa, ambientada numa guerra não ficcional (como a que permeia A Vida é Bela), e a comicidade espontânea da personagem principal. Neste aspecto Benigni também deixa clara a influência que Charles Chaplin teve em sua vida e em sua carreira.

Vivemos dias tão áridos que o otimismo surreal dos filmes de Benigni são como filetes de esperança de algum tipo de resgate. Algo como a retomada dos valores nobres que um dia nortearam as principais buscas do ser humano. É como se pudéssemos resgatar em nós possíveis resquícios de Guidos e Attilios que nos reaproximassem do que ainda concebemos como humanidade.