Fuga da civilização
Não sei se chega a ser um anseio inerente a todas as pessoas, pelo menos em algum momento de suas vidas, mas às vezes o que mais se quer é estar bem longe de tudo que lembre civilização. Este é o desejo que move Christopher McCandless, um jovem que, cansado da vida que levava e de todo o seu significado, abandona tudo em busca de um isolamento completo.
Inspirado em uma história verídica que se passou nos Estados Unidos em 1990 e virou o livro “Na Natureza Selvagem” (1997), de Jon Krakauer, o filme de mesmo nome (lançado em 2007) é o que se pode chamar de obra filosófica. Não por fazer referências a filósofos ou à história do pensamento, mas por estar focado na inquietude essencial que faz uma pessoa querer rever a sua própria vida e reaprender a ver o mundo.
Roteirizado e dirigido pelo ator Sean Penn, “Na Natureza Selvagem” prende a atenção não apenas pela trama instigante que envolve as escolhas de Chris McCandless (interpretado por Emile Hirsch), mas também pela belíssima fotografia e ótima trilha sonora (leia-se Eddie Vedder, ex-vocalista da banda Pearl Jam). Uma combinação balanceada que dá o tom certo entre leveza e melancolia, nostalgia e esperança – elementos presentes o tempo inteiro na obra.
Quando o recém-formado em Direito resolve dar um rumo totalmente diferente ao que seus pais tinham planejado para sua vida, ele radicaliza e assume completamente as rédeas do seu destino. Não se trata de um filme sobre rebeldia sem causa ou sobre alguém perdido, ainda que possa ser interpretado assim. Ele apenas conta os passos dados durante dois anos por um jovem surpreendentemente maduro, consciente do que queria deixar para trás e do que pretendia encontrar numa estrada ainda por construir.
Obviamente, ninguém que decide fazer o que fez McCandless está isento de ter sido impulsionado por forças externas ou mesmo por feridas internas. Embora leve e genuinamente marcado pelo bom comportamento, o jovem aventureiro é alguém que deseja intensamente fugir da civilização e, por isto mesmo, de si.
A sua meta é chegar ao Alasca, onde espera travar um encontro com a natureza selvagem, muito provavelmente para entender seus próprios sentimentos e os sentimentos por sua família, pela humanidade. Nada disto é feito de forma amarga ou trágica, como talvez quem não tenha visto o filme possa imaginar. Simplesmente, aquele rapaz sente que precisa dar vazão às inquietações arquivadas por tantos anos a fio em comportado silêncio. Ele decide que é hora de ficar radicalmente sozinho para processar dúvidas e certezas.
“Na Natureza Selvagem” é daqueles filmes que dão muito pano pra manga em qualquer debate com vertente existencial. Se fosse levado para o âmbito acadêmico, daria um bom material de estudo com fins filosóficos, sociológicos, psicológicos, entre outras áreas de humanas. Já estou ávido para assisti-lo novamente, desta vez para me ater a detalhes do enredo, às citações de obras da literatura mundial (fascínio de Chris McCandless), às paisagens estonteantes e à trilha sonora que tão bem emoldura as muitas andanças da personagem.
Contrariando o próprio título que dei a este texto, não acho de verdade que aquele jovem queria fugir da civilização. Ele precisava apenas de uma perspectiva radical para retomar o fio da própria meada e perceber o quanto ele estava impregnado de emoções genuinamente humanas.