Tratado Geral dos Chatos
Se existe algo que me deixa muito preocupado é a possibilidade de ser um chato, mesmo sem querer. Ninguém está imune a esta “doença” que afeta milhões e milhões de pessoas no planeta, e que, por contágio, termina atingindo os outros tantos milhões que não a têm.
É possível que muitos dos meus alunos e ex-alunos me vejam como um chato, pois, aos olhos deles, estou no time dos que cobram, dos que “pegam no pé”. Mas até aí tudo bem, pois não dá mesmo para querer unanimidade das pessoas no que quer que seja; muito menos dos que fazem parte de uma geração que tem na contestação geral uma de suas principais bandeiras. Meu temor é ser chato em situações e para quem me esforço para ser exatamente o contrário.
Esse assunto desperta interesse e é capaz de arrancar boas risadas, principalmente se for tratado com a devida seriedade. Pois é exatamente o tema abordado no livro “Tratado Geral dos Chatos”, lançado na década de 1960 pelo escritor Guilherme Figueiredo. Ao classificar diversos tipos de pessoas consideradas maçantes, o autor deu a elas nomes e explicações pseudocientíficas.
Um dos tipos, o “galanchateador”, tem como marca registrada o desconhecimento da palavra sutileza. Numa festa, por exemplo, normalmente ele incomoda todas as mulheres e ainda sai dizendo que arrasou. Conheci alguns deles, mas me lembro bem de um colega dos tempos de adolescência que sempre repetia o mesmo ritual: aparecia subitamente nas rodinhas de amigos com metade do frasco de perfume despejado na roupa; chegava por trás de alguma garota e colocava as mãos em seus olhos, para, em seguida, babujar o seu rosto com um beijo estalado. O chato saía minutos depois com um ar triunfal de conquistador, sem perceber que a garota beijada fazia questão de limpar o rosto na frente de todos.
Um outro tipo, muito fácil de ser encontrado em todos os lugares, é o que Guilherme Figueiredo chama de “chato-etílico”. Pela sua definição, “os chatos-etílicos têm trajetória decrescente: começam num estágio de melancolia dócil, reclamando da vida, passam por momentos de agressividade, quando qualquer coisa é motivo para briga, e terminam em derrocada total, vomitando na piscina da sua casa”. Sem falar que normalmente eles adoram segurar o braço do primeiro que encontram, tentam se equilibrar parados e conversam lançando jatos de saliva etílica no rosto dos desafortunados de plantão.
São ainda citados no Tratado Geral dos Chatos o “folgado” (que leva ao pé-da-letra as gentilezas costumeiras, como “sinta-se em casa” e “fique à vontade”), o “chatimbanco” (aquele fã das pegadinhas, que tira a cadeira quando alguém vai sentar ou pisa no pé de qualquer um que aparece de sapato novo) e o “existenchatista” (que “é chato porque existe”, tendo como principais características a eterna queixação da vida e o fato de ser “GSE” – Gente Sem Expressão).
Intolerâncias à parte, pois até mesmo os chatos merecem ser felizes, é preciso que a verdade seja dita: mantê-los a uma distância segura é mais do que um cuidado com a saúde; é uma questão de sobrevivência.