O destino dos piruás
Em toda a minha trajetória de consumidor voraz de pipoca nunca tinha ouvido falar do nome que se dá para aquele milho renitente que insiste em não estourar. Apesar da sua missão essencial em se tornar um pedaço macio e salgado de puro prazer, o piruá prefere continuar exatamente como nasceu: uma bolinha amarela dura o bastante para ameaçar seriamente os dentes.
E não é que esse refugo da pipoca se transformou em parte de uma alegoria bem interessante numa das crônicas de Rubem Braga! Nela, a transformação do milho em pipoca é comparada à transformação que faz o ser humano – dar um salto em sua existência. “A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens”, sugere o escritor.
Rubem Braga filosofa com a simplicidade dos sábios orientais, que sempre encontram na natureza os melhores mestres; aqueles que ensinam mesmo quando não estão ensinando. Ele diz que o milho de pipoca não é o que deve ser, pois a sua verdadeira forma se dá depois que estoura. “O milho somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer. Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira”. Quem pode duvidar?
A vida nos coloca à prova a todo instante. Ela não é fácil, nem nunca foi para ninguém. Nenhum homem apontado na história como guerreiro nasceu com tal força, com tal determinação. Os sentimentos capazes de forjar em nós algum tipo de fortaleza surgem da necessidade imperativa de nos tornarmos melhores dia após dia, existência após existência. Por esta ótica, o medo e a dor são tão benéficos ao espírito quanto a coragem e o prazer. Medo, coragem, dor, prazer, tristeza, alegria... Tudo é combustível para o fogo que nos molda.
Com relação a isso, Rubem Braga salienta: “o fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Pode ser o fogo de fora: perder um amor, um filho, um amigo ou o emprego. Pode ser o fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, doenças e sofrimentos cujas causas ignoramos”. Se aceitamos nossa condição de milho de pipoca, então temos também que aceitar o fogo que nos faz estourar. E não poderia ser diferente: a grande realização deste tipo de milho é ser pipoca, e não piruá.
Quem realmente quer a sina dos piruás que passam pelo fogo, mas, ainda assim, recusam-se a estourar? Eles são, arremata o cronista, “aquelas pessoas que, por mais que o fogo as quente, se recusam a mudar Acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. A sua presunção e o medo são a dura casca que não estoura. Ficarão duras a vida inteira; não vão se transformar na flor branca e macia; não vão dar alegria para ninguém”.
Abandonados no fundo da panela, os piruás não servem mais para nada. Não são pipoca, tampouco milho. O lixo é a sua morada final. Como talvez seja – numa outra concepção de lixo – o destino dos que se negam o desafio de viver.