Os sonhos não envelhecem
Quando se trata de encontrar uma equação perfeita entre música e poesia, o Clube da Esquina tem seu espaço garantido. Entre as tantas canções imortalizadas por essa turma de Minas, uma me parece traduzir bem a atualidade e universalidade tão marcantes nas obras de seus compositores. Em “Clube da Esquina 2” – uma tripla parceria entre Milton Nascimento, Lô Borges e seu irmão Márcio Borges – algumas partes parecem verdadeiras sínteses filosóficas que norteiam a natureza humana.
“Porque se chamavam moços, também se chamavam estrada, viagem de ventania (...)”. A música já começa assim, como que traduzindo uma das fases de vida mais determinantes para qualquer pessoa: a juventude. Nela se delineiam erros e acertos, percebidos muitas vezes na pele e sem segunda chance para reparos. É a fase do querer pôr os pés na estrada, ganhar mundo, alargar horizontes, respirar outros ares, desprender-se dos laços naturais de família... Esta “viagem de ventania” tem dissabores, é certo, mas é necessária como passaporte para o universo adulto.
“Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos, e sonhos não envelhecem (...)”. Como um dos grandes letristas do Clube da Esquina, Márcio Borges voa alto nesta parte da música e sintetiza com precisão o principal combustível que torna possível a jornada de qualquer mortal, especialmente na fase adulta: a esperança. Se na infância sonho e fantasia são a mesma coisa e na juventude sonhar é tecer planos acima do alcance das mãos, na maturidade os sonhos são sinônimos de pés no chão e olhos no futuro.
“E basta contar compasso, e basta contar consigo, que a chama não tem pavio (...)”. Aqueles que acreditam que não há idade para se sonhar são os que também acreditam e contam sempre consigo, mesmo diante dos maiores desafios. É como se carregassem uma chama de coragem e determinação que não se apaga. Faltam no mundo pessoas assim: contrapontos capazes de amenizar o peso-morto dos acomodados, dos frustrados e dos derrotistas, que impedem de andar a si próprios e a quem mais possam contaminar.
“(...) e lá se vai mais um dia (...)”. O tempo voa e, antes mesmo que percebamos que ele já deixou para trás grande parte de nossas vidas, vão ficando escassas as chances de recomeços. O problema nisso tudo não é a constatação de que o tempo passa igualmente para todos, mas de que um tanto dele seja perdido com coisas rasas. O que não faltam são exemplos disso, como a inutilidade de se passar horas em frente à TV assistindo à intimidade de meros exibicionistas famosos ou anônimos; ou como a vaidade de se querer clonar seres humanos, quando melhor seria se a humanidade conseguisse clonar em si ensinamentos capazes de conduzi-la por caminhos de sol.
Se os sonhos não envelhecem, resta-nos, então, remoçar as esperanças dia após dia até que nos convençamos de que não há velhice em se tratando de espírito.