As drogas de Veríssimo
Somente Luis Fernando Veríssimo para ser crítico e bem humorado ao mesmo tempo num dos assuntos mais controversos envolvendo aquela velha máxima do “gosto não se discute”. Muitos que leram essa sua crônica podem tê-la odiado e achado o escritor um tanto preconceituoso, mas, mesmo assim, há de concordar que ela é muito engraçada e bem bolada.
Se encontrá-la por aí, não deixem de ler; se não, vão em frente aqui mesmo neste texto. Faço questão de compartilhar mais essa sacada do humor refinado de Veríssimo. Com aquele clima de depoimento de ex-drogado, ele começa contando que tudo teve início aos 14 anos assim que um “mui amigo” chegou com aquele papo de “experimenta, depois quando você quiser, é só parar...” A influência o levou a aceitar a oferta, tranqüilizado pelo fato de ser “coisa leve, de raiz, que não fazia mal algum”. Foi aí que ele recebeu um inofensivo disco de Chitãozinho e Xororó, seguido de um da dupla Leandro e Leonardo.
Nesse momento da crônica já é possível imaginar do que o escritor está falando e o que vem pela frente. Ele continua seu “depoimento” dizendo que aquela primeira oferta foi o bastante para que as coisas saíssem do seu controle, levando-o a querer consumir mais e mais. E foi o que fez: chegou numa loja e pediu um CD de Zezé de Camargo e Luciano, partindo logo depois para a turma do Axé. O vendedor não se fez de rogado e foi logo tentando atiçar aquele vício, dizendo que a nova música baiana era coisa leve, para relaxar. No começo, seu consumo se restringiu à banda Eva, ao Cheiro de Amor, a Netinho, etc. Mas, logo viria coisa pesada: É o Tchan, Companhia do Pagode, Asa de Águia e outros do gênero.
Nesse ponto do texto, surge a ótima tirada: “após o uso contínuo eu já não queria mais saber de coisas leves, eu queria algo mais pesado, mais desafiador, que me fizesse mexer a bunda como eu nunca havia mexido antes. Então, meu ‘amigo’ me deu o que eu queria: um CD do Harmonia do Samba. Minha bunda passou a ser o centro da minha vida, minha razão de existir. Eu pensava por ela, respirava por ela, vivia por ela!”
Esse é um estágio do vício em que a coisa fica feia, segundo o escritor. Passa-se a desejar mais e mais; começa-se a querer frequentar o submundo atrás das “paradas”. Completamente intoxicado e dependente, sua personagem sai em busca dos shows do Karametade, do Só Pra Contrariar. E, pra piorar, entra num grupo de pagode, pinta o cabelo de loiro e passa a consumir compulsivamente tudo o que estiver no mercado do Molejo, do Bonde do Tigrão e de todos desta mesma linha. Com o cérebro completamente travado, começa a dançar passinhos ensaiados com outros doze companheiros de banda, sorri sem motivo, pede tapas na cara e faz gestos obscenos. É a fase da total dependência química!
Felizmente, depois de ter ido ao fundo do poço e de ter chafurdado na lama, o sol apareceu para a pobre criatura, que encontrou uma luz no fim do túnel numa clínica de recuperação de drogados. Veja a seguir, na íntegra, como termina essa história e aproveite para pensar duas vezes antes de se entregar a um vício tão mordaz e que, de quebra, faz você gastar horrores com drogas baratas.
“Meu tratamento está sendo muito duro: doses cavalares de Rock, MPB, Progressivo e Blues. Mas o meu médico falou que é possível que tenham que recorrer ao Jazz e até mesmo a Mozart e Bach. Queria aproveitar a oportunidade e aconselhar as pessoas a não se entregarem a esse tipo de droga. Os traficantes só pensam no dinheiro. (...) Em vez de encher a cabeça com porcaria, pratique esporte e, na dúvida, se não puder distinguir o que é droga ou não, faça o seguinte: não ligue a TV no domingo à tarde; não escute nada que venha da Bahia, Rio ou do interior de São Paulo; não entre em carros com adesivos ‘fui’... Se te oferecerem um CD, procure saber se o suspeito foi ao programa da Hebe ou se apareceu no Sabadão do Gugu; mulheres gritando histericamente é outro indício. (...) E não escute nada que o autor não consiga uma concordância verbal mínima. (...) A vida é bela! Eu sei que você consegue! Diga não às drogas!”