A prosa poética de Chico César
Desde que ouvi seu primeiro CD, “Aos Vivos”, em 1995, eu soube que ali estava bem mais do que uma curiosa novidade no cenário da Música Popular Brasileira. Entre o ótimo repertório do paraibano Chico César – cativante à primeira audição – me chamou a atenção a intrincada poesia de “A Prosa Impúrpura do Caicó”, um trocadilho ao título do filme de Wood Allen, “A Rosa Púrpura do Cairo”.
Como no filme, que ressalta a necessidade humana de misturar realidade e fantasia, a canção (uma balada melancólica) retrata a ambígua presença da razão e da emoção nessa complicada teia. “Ah! Caicó arcaico/ em meu peito catolaico/ tudo é descrença e fé / Ah! Caicó arcaico / meu cashcouer mallarmaico/ tudo rejeita e quer”. Assim parece ser o espírito desse poeta-cantador vindo de Catolé do Rocha, impregnado – como outros tantos artistas nordestinos do interior – de esperança, de crença e de uma visão de mundo marcada pela resiliência...
Há alguns anos em Viçosa-MG tive o prazer e o privilégio de assistir, pela terceira vez, ao show de Chico César. Nos dois primeiros, entre 1996 e 1997, em São Paulo, ele estava acompanhado pela excelente banda Cuscuz Clã (um nome com a cara do seu trabalho). Algo para grande público, para tirar os pés do chão. A sua apresentação no Espaço Cultural Fernando Sabino, dentro do belíssimo campus da UFV (Universidade Federal de Viçosa) e acompanhado apenas do percussionista Escurinho, teve um formato mais intimista. Pude comprovar o que já sabia por outras vias: Chico é um cara simples, bem humorado, generoso e de uma inteligência ímpar. Seus comentários antes ou após alguma música tinham sempre um quê de poesia, de filosofia.
Não por acaso suas composições despertaram tanto interesse de intérpretes femininas do calibre de Gal Costa, Maria Bethânia, Elba Ramalho e Daniela Mercury. Sim, “ele sabe como pisar no coração de uma mulher”. Inclusive, esta foi uma das músicas que Chico César cantou ao lado da baianeira Verônica Bonfim – que foi destaque na edição do programa “Fama”, da Rede Globo, em 2005. Um momento emocionante do show!
É uma pena as rádios comerciais e os programas de massa da televisão não terem o devido espaço para o som de artistas como ele. Pena também que as novas gerações tenham que descobri-lo de maneira mais difícil, por caminhos mais tortuosos.
Seus quase quinze anos de estrada já renderam muitos bons frutos, mas ainda é muito pouco para tanto talento. O show de Viçosa foi o mesmo que o paraibano levou um ano antes em turnê pela Europa. Por lá foi só elogio de público e crítica. Coisas da triste realidade brasileira.
Sua poesia – também disponível em livro (“Cantáteis – cantos elegíacos de amozade”) – é para ser lida, ouvida, cantada e dançada em qualquer estado de espírito. Em todos os seus CDs ele passeia pela balada intimista e pelo reggae dançante com a mesma desenvoltura com que canta um coco, um rap, um repetente, um forró... Como poeta Chico César é um gênio. E vice-versa.