Troca de calçada: uma análise da música de Marília Mendonça
Sempre soube que Marília Mendonça era uma grande compositora de músicas sertanejas e das famosas “sofrências”, essas canções que tratam especificamente sobre relacionamentos, decepções amorosas e frustações no que tange a vida à dois.
Mas, por conta de puro preconceito, da minha parte, para com a música sertaneja, que nunca tive muito apreço, ouvia pouco suas canções, mesmo reconhecendo a grande qualidade de suas letras.
Passei ouvi-la com mais frequência após sua morte. Infelizmente, deixei de fazer grandes reflexões sociais a partir das suas composições.
Mas hoje, no Facebook, me deparei com um magnífico corte do programa “The Voice”, no qual uma grande cantora cantava de forma magistral a sua música “Troca de Calçada”. Foi uma reinterpretação fenomenal, de deixar o “queixo caído” e ao mesmo tempo me fez refletir nos nossos pré-julgamentos, discriminações e na ideia absurda de nos acharmos e sentirmos que somos melhores que os outros.
A música fala de uma mulher que foi desprezada, maltratada, malcuidada e humilhada nos seus relacionamentos “de quinta”, e que por conta de tudo que sofreu, passou a se prostituir vendendo seu corpo nas esquinas da vida.
Mas, a compositora genial, pede na primeira estrofe da canção, para que não julguemos a “mulher da vida”, que não troquemos de calçada ao passar por ela, mas que fiquemos em silêncio, “sem apontar o dedo” e “sem julgar tão cedo”, pois “ela tem motivos para estar desse jeito”, não devemos pré julgá-la.
“Se alguém passar por ela
Fique em silêncio, não aponte o dedo
Não julgue tão cedo
Ela tem motivos pra estar desse jeito
Isso é preconceito
Viveu tanto desprezo
Que até Deus duvida e chora lá de cima
Era só uma menina
Que dedicou a vida a amores de quinta”.
Essa canção é um convite a tolerância, ao respeito a dor alheia, para nos colocarmos no lugar do outro. Para que pratiquemos a solidariedade e a compaixão.
Essa mulher, relatada na canção, é uma vítima de relacionamentos tóxicos e abusivos. Como milhares de outras mulheres também são. Essa mulher, muito antes de ser usada como prostituta, por seus “clientes” foi usada, menosprezada e esfrangalhada por seus parceiros de outrora. Por isso:
“Pra ter o corpo quente, eu congelei meu coração
Pra esconder a tristeza, maquiagem à prova d'água
Hoje você me vê assim e troca de calçada
Só que amar dói muito mais do que o nojo na sua cara.
Pra ter o corpo quente, eu congelei meu coração
Pra esconder a tristeza, salto 15 e minissaia
Hoje você me vê assim e troca de calçada
Mas se soubesse um terço da história, me abraçava
E não me apedrejava”.
A canção termina falando que essa mulher um dia sonhou em formar uma família, ser uma esposa dedicada e ser feliz. Como todo ser humano, tinha esperança de uma vida melhor, fez planos e metas de um futuro brilhante.
“É claro que ela já sonhou em se casar um dia
Não estava nos planos ser vergonha pra família
Cada um que passou levou um pouco da sua vida
E o resto que sobrou, ela vende na esquina.”
Em suma, essa canção é o retrato de milhares, talvez milhões, de mulheres que sofreram e sofrem com sucessivos relacionamentos, que mesmo que não caiam na prostituição, suas vidas sucumbiram ao caos. A infelicidade e a desesperança levam o ser humano ao inferno astral e ao fundo do poço existencial.
Pouca coisa faz tão mal ao ser humano como um péssimo relacionamento. Faz a nossa vida murchar. Faz o nosso semblante se abater. Faz a nossa alegria desaparecer. Faz nossa força desvanecer e faz a vida esmorecer.
Que possamos olhar para os que sofrem sem julgamentos e com compaixão, como bem disse a rainha da sofrência, nessa linda canção.