Adeus, Sérgio Sant’Anna

É muito justo dar uma carona a Márcia Denser aqui na despedida a Sérgio Sant’ Anna, ambos têm afinidades temáticas e também na maneira de tratar os temas. Ou seja: Márcia Denser também leva à escrita situações dramáticas de forma sentimentalmente crua, como fazia também Sérgio Sant’Anna. Cito duas obras, a primeira cinematográfica e a segunda escrita. O filme a que me reporto é o Império dos sentidos, de Nagisa Oshima; o livro a que me reporto é o da sexóloga Helen Singer Kaplan sob o título A nova terapia do sexo.

O livro de Kaplan foi lançado em mil novecentos e cinquenta e quatro; o filme de Oshima foi lançado em mil novecentos e sessenta e seis. No livro de Kaplan a sexóloga relata os casos em que casais submetiam aos olhos da autora a forma em que faziam sexo fazendo sexo para que houvesse após o coito uma conversa sobre a sexualidade do casal, com as suas dificuldades e cacoetes, às vezes entendida pelos pares como dificuldades no prazer compartilhado seja por simbolicamente representarem taras para um dos pares e constrangimentos causado a um deles por causa do outro e vice-versa.

O filme de Oshima é a história de um homem e de uma mulher que se relacionam passionalmente, com entrega física total, até que a amante castra o homem e sai pelas ruas em desespero. As cenas de sexo explícito no filme de Oshima provocaram grande espanto numa plateia atônita.

Na mesma época aconteceram filas enormes para os expetadores assistirem filmes pornográficos nas telas dos cinemas comerciais fazendo muitos deles saírem do cinema para praticarem o onanismo.

Não há ninguém no mundo que tenha se masturbado por causa do filme O império dos sentidos, porque no filme tudo estava contingenciado ao drama, baseado em caso real. Quando o diretor conseguiu unir emoção e sexo em um só filme produziu uma obra de arte.

O livro de Helen Singer Kaplan além de propor uma terapia nova, dava e dá para quem quer que o leia, excelentes informações sobre a fisiologia sexual, registro aqui uma delas: a mulher tem dois órgãos de ereção: o clitóris e o útero! Porque o útero se contrai dentro da barriga da mulher na hora do sexo.

Kaplan nos ensina que o sentimento do sexo por quem o pratique é saudável ou mórbido conforme a percepção do sexo em ação, isto é, uma fantasia pode ser sentida como mórbida por quem a pratica e por quem é o alvo dessa fantasia e vice-versa. Kaplan propunha uma desmistificação do que podia ser compreendido como completamente saudável ou inelutavelmente mórbido. Promovendo uma negociação entre os pares a fim do que pode ou não pode no sentido de que algumas fantasias inofensivas pudessem ser realizadas sem constrangimentos e de forma efetivamente prazerosas.

A obra de Sérgio Sant’ Anna também trouxe essas proposições de Singer e Oshima.

Talvez o livro de Sérgio Sant’ Anna que mais represente o dito até agora é O monstro, no livro há alguma empatia por práticas sexuais que poderiam ser entendidas como perversas por pessoas extremamente rígidas em matéria de sexualidade. Mas há também grande simpatia pela ação dos personagens de forma para que haja uma resignação diante dessas práticas a fim de que o sexo seja prazeroso.

Há certa dose de naturalismo em tudo isso, mas se há naturalismo é um naturalismo com carga dramática, e não esse falso naturalismo de alguns escritores contemporâneos no qual tudo acontece de forma completamente anódina. Sem qualquer carga dramática, o que os aproxima ( esses escritores hodiernos) da pornografia, sequer alcançando a capacidade de excitação dos onanistas.

No cinema Nagisa Oshima em seu filme, na sexologia Helen Singer Kaplan no seu livro e Sérgio Sant’Anna em sua obra representam o que há de melhor no entendimento das tensões e alívios da libido.

A senhorita Simpson, personagem de um dos livros de Sérgio Sant’Ann, chora a partida do grande escritor.

Nós choramos com ela.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 10/05/2020
Código do texto: T6943019
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