Capítulo 4: Internalização das Funções Psicológicas Superiores (VYGOTSKY, 1998, p. 69-76)

Na obra A formação social da mente, Vygotsky (1998) caracteriza os aspectos tipicamente humanos do comportamento, em seus mecanismos mais complexos de atividades psicológicas ao longo do desenvolvimento da vida do indivíduo. Ao ressaltar as relações dos indivíduos entre si e com o ambiente físico e social, destaca o trabalho como forma de relação fundamental entre homem e natureza, do qual se originam consequências psicológicas. O capítulo quatro, Internalização das Funções Psicológicas Superiores, parece atrelar-se à problematização das relações do uso de meios mediadores (instrumentos e signos) no desenvolvimento da linguagem, no que tange às consequências psicológicas derivadas da atividade do trabalho.

No quarto capítulo da obra A formação social da mente, Vygotsky inicia apresentando os princípios reguladores dos reflexos condicionados e incondicionados, segundo Pavlov, a partir de analogias desses com uma ligação telefônica, no sentido de designar o reflexo incondicionado como uma conexão direta entre dois pontos (a linearidade diretiva entre o telefone A e o telefone B) e o reflexo condicionado como a conexão subordinada a uma estação central especial (entre o telefone A e o telefone B há a interferência auxiliar de um (a) telefonista). Essa segunda analogia é, posteriormente, evidenciada por Vygotsky como base metafórica do processo de utilização de signos, na medida em que, por exemplo, ao atar um nó para lembrar-se de algo, forma-se uma associação condicionada no córtex cerebral, cumprindo o mesmo papel de associabilidade auxiliar caracterizado pela intervenção de um (a) telefonista da conexão entre o telefone A e o telefone B.

Considera-se a associação que dada pessoa faz ao atar um nó para lembrar-se de algo como o aspecto distintivo entre as formas superiores e as formas inferiores de comportamento, pois aquelas utilizam signos como meios auxiliares para solucionar um determinado problema. No campo psicológico, os signos atuam como instrumentos de maneira comparável às funções dos instrumentos no trabalho, contudo, sem a implicação de uma identidade comum entre esses dois conceitos similares. Essa diferenciação ocorre, porque os signos pertencem a um plano psicológico e a uma esfera abstracional, enquanto os instrumentos pertencem a um plano natural e a uma esfera material.

Vygotsky traz abordagens gerais da ciência psicológica da época, como o Pragmatismo de Dewey, para fundamentar as diferenças entre signo e instrumento que orientam a sua base investigativa, estabelecendo com aquelas um grau de antagonismo. Por certo, tal incompatibilidade entre Vygotsky e a ciência psicológica contemporânea a ele advém do tratamento que essa dá a língua, entendida como instrumento do pensamento apenas em sentido figurativo, tomando os signos como instrumentos diretos da atividade psicológica, ou seja, como meios de pensamento e de memória numa transposição imediata.

A perspectiva de Vygotsky admite três possibilidades para a relação entre signo e instrumento. A primeira baseada nas ideias de Hegel e de Marx, estabelecendo os pontos comuns entre signo e instrumento, na medida em que ambos possuem função mediadora, isto é, uma vez que a atividade mediada por esses dois elementos consiste na relação de objetos que agem e reagem com outros objetos, sendo que seu uso afeta o comportamento dos homens através dos signos.

A segunda possibilidade para a relação entre signo e instrumento destaca seus pontos distintos, já que signo e instrumento têm diferentes maneiras de orientar o comportamento humano, dado que, a função do instrumento é servir como meio auxiliar da influência humana sobre o objeto da atividade, levando esse a ser modificado, constituindo aquele como controle e domínio da natureza por meio de uma atividade humana externa; e o signo enquanto orientado internamente, dirige-se para o controle do próprio indivíduo, não modificando o objeto da operação psicológica, mas afetando o sujeito por meio de um processo de refração.

A terceira possibilidade de relação entre signo e instrumento demonstra o elo psicológico real entre essas duas atividades, tratando da ligação de seus desenvolvimentos na filogênese e na ontogênese. A filogênese, evolução histórica da espécie humana e a ontogênese, evolução e desenvolvimento do indivíduo dentro da espécie humana organizam-se mutuamente pelo controle da natureza e do comportamento de maneira interligadas, assim como a alteração do homem sobre a natureza e a natureza alterando a própria natureza do homem. Dessa maneira, as funções psicológicas superiores, ou comportamento superior referem-se à combinação entre o instrumento e o signo na atividade psicológica, visto que, a transição para atividades mediadas (uso de signos) muda, tanto as operações psicológicas como o uso de instrumentos. Se na filogênese surge a interação com o coletivo como necessidade de sobrevivência, na ontogênese surge a fala como necessidade de inserção no grupo.

Para finalizar o capítulo, Vygotsky analisa as fases das operações com o uso de signos pela criança. Através de experiências com o uso de signos pela criança, desenvolve o conceito de internalização, o qual se entende como um processo de reconstrução interna de uma operação externa ao longo de uma série de transformações. Vygotsky utiliza como exemplo desse processo o desenvolvimento do gesto de apontar, em que, inicialmente, é representado pelo movimento externo de pegar da criança, em seguida o apontar da criança torna-se um gesto para os demais (os demais indivíduos dão uma representação para o apontar da criança) e somente depois, a criança associa o seu movimento de pegar a uma situação objetiva (a criança dá sentido, internamente, ao seu gesto como obtenção de algo por via de outra pessoa).

Ao elencar uma série de transformações constitutivas do processo de internalização como ilustração descritiva do apontar, o teórico em questão destaca a reconstrução interna de uma operação que representa uma atividade externa, o processo interpessoal que é transformado em processo intrapessoal e a transformação daquele processo interpessoal em um processo intrapessoal como resultado de uma longa série de eventos ao longo do desenvolvimento.

Referencial bibliográfico:

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A formação social da mente. Martins Fontes, 1998.