O Encontro Com Milton Santos Ou O Mundo Global Visto Do Lado De Cá: Uma Breve Análise.

O documentário Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá, do cineasta brasileiro Silvio Tendier, discute os problemas da Globalização, tendo em vista todo o processo histórico, desde a primeira globalização ente 1.500 e 1.600 e os seus efeitos mais recentes, ocorrida no final do século XX.

De início, pode-se perceber que a primeira globalização foi marcada pelo desaparecimento de 70 milhões de nativos existentes na América pré- colombiana, por conta da dominação de territórios ocupados, ignorando assim, línguas, religiões, culturas e principalmente deixando milhões de escravos transportados para o Brasil, depois de séculos, abandonados. Enquanto a segunda, se caracterizou pela fragmentação de territórios, bem, como o surgimento de novos meios de produção e o crescimento tecnológico, cujos efeitos ainda são atuais.

No livro A Identidade Cultural na Pós- Modernidade de Stuart Hall, tem- se o conceito do processo de globalização como referente àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo (Mc Grew, 1992).

São vários os exemplos que mostram as consequências desse processo em diferentes lugares do mundo. O documentário mostra como esse crescimento tecnológico e esse novos modos de produção contribuíram para o aumento do desemprego e eventualmente, para a fome das camadas mais populares. Pois, como foi percebido, os grupos mais pobres foram os mais atingidos com esse processo. A globalização contribuiu para a divisão de grupos, norte e sul. De um lado, as camadas mais baixas que sonham com a vida que as camadas mais ricas sempre tiveram ao dispor. Por outro, as camadas médias e altas.

Um desses exemplos são as privatizações das empresas, como a da Bolívia, sobre a água potável em uma das regiões, acarretando rebeliões por movimentos sociais autônomos. E na Argentina, com o fechamento de fábricas, com a substituição de produtos nacionais por importados. Também a divisão do trabalho. O que me faz lembrar, por exemplo, no Brasil, de como o médico se responsabilizava por diversas funções, enquanto hoje, seus papéis se tornaram mais específicos, havendo não só o médico, mas o pediatra, o enfermeiro, o anestesista, entre outros. Sem contar também a dificuldade de encontrar produtos nacionais que façam parte da origem de um lugar.

Enfim, como diz Milton Santos, o processo de globalização fez o modelo humanista ser substituído pelo modelo de consumo. O homem deixou de ser o centro de tudo. Segundo Santos, pouco ou quase nada tem- se falado sobre a civilização humana, mas sobre o crescimento econômico. A água, por exemplo, vem sendo vista mais como um bem econômico do que um bem comum global, que deve ser conservado.

Outro aspecto negativo que ainda faz parte da nossa realidade que se faz presente no documentário, é o impedimento de atravessar e viver em diversos países em busca de uma vida melhor. A morte de crianças, jovens, adultos e velhos passou a ser vista como natural, cujo filme aponta o sofrimento dos refugiados que tentam cruzar fronteiras para escapar do desemprego e da fome. Como o exemplo do México, pois não é difícil lembrar-se dos diversos casos de morte contra aqueles que ousaram atravessar ilegalmente esses espaços.

Como aponta o filme, o século XX foi considerado o século das revoluções tecnológicas, onde não existe apenas um mundo globalizado, mas três tipos de globalização:

- a globalização como fábula;

- a globalização como perversidade;

- outra globalização.

Ou seja, o primeiro mundo seria o mundo que nos fazem ver. Pode-se dizer, em outras palavras, que se trata do mundo que preferimos acreditar ou percebemos por meio da mídia. O segundo, como o mundo tal como ele é ( violento, excludente, sofrido, perverso) e o terceiro, na visão do mundo como ele pode ser, ou como o mundo sonhado, mutável.

No caso da mídia e do próprio crescimento tecnológico, há dois aspectos a serem analisados, negativos e positivos. Negativo por conta da própria influência em mostrar o que nem sempre parece ser, ou melhor, o poder de mudar a opinião das pessoas sobre um assunto ou acontecimento. O filme deixa isso bem claro quando aponta manchetes de jornais, no governo de Bush em relação ao Iraque. Esse poder que a mídia tem em mudar o comportamento das pessoas ainda se mantém cada vez mais forte. Não são raras as vezes que um imigrante brasileiro ou não, é confundido com um possível terrorista. Um desses casos, inclusive, foi também relatado no filme brasileiro Jean Charles que foi morto nos EUA, pela polícia de Londres. Como mostra em uma das falas presente no filme, `` existem fatos e as noticias são as interpretações desses fatos``. O que não significa que esses fatos sejam mostrados da forma que aconteceram.

Além disso, a mídia tem passado uma imagem bastante enganosa sobre a cultura, as condições sociais e políticas de certos países e também lugares, principalmente aqueles considerados menos desenvolvidos, como é o caso da África. Em uma das falas aponta que África, por ser um país considerado ``pobre´´, com grande população formada por negros, e de baixas condições sociais, bem como o problema da Aids e a da fome que assola parte da população, ainda tem a impressão de que tudo vai bem, menos na África. O que pelo contrário não deixa de ser um pensamento errôneo, pois é sabido que a China, por exemplo, um dos países mais populosos e desenvolvidos em termos tecnológicos e de uma educação rígida, mesmo assim, ainda sofre com altos índices de poluição e baixos salários.

Também não é preciso citar outros países e lugares para dizer que a imagem que temos aos olhos da mídia e dos grupos sociais dominantes nem sempre é verdadeira e que tem sido bastante generalizada. No Brasil, embora não aponte no documentário, podemos fazer uma relação mais recente como, por exemplo, a concepção do carioca e do baiano sobre os olhos dos estrangeiros e da sociedade de elite. A ideia de que se tem do Brasil hoje, é a de que todo carioca gosta de samba e churrasco, de que todo baiano gosta de axé, bem como diversos estereótipos que a sociedade e a mídia têm propagado. Enfim, seria chato dizer os milhares de exemplos como esses em relação aos efeitos negativos causados pela globalização.

Dessa forma, o interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficaram reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos dos quais todas as tradições específicas e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é conhecido como `´homogeneização cultural´´. (Hall, 2003).

Por outro lado, os novos instrumentos tecnológicos propiciaram às camadas mais baixas a oportunidade de contar e mostrar as suas histórias sobre a sua perspectiva. Seja por meio do cinema, da música, da dança , da poesia ou de qualquer outra forma de expressão. Um exemplo interessante mostrado no vídeo, é a contribuição da internet às comunidades indígenas. Por meio do acesso a internet, foi possível notar a possibilidade de mostrar através da câmera as injustiças e problemas ambientais, bem como o desmatamento e outras atividades ilegais de um lugar longínquo ou de pouco acesso. Dessa forma, os meios de comunicação passaram a ser instrumentos também de luta contra as injustiças sociais e também de indignação, ao mostrar por meio da arte a história do cotidiano das classes mais populares.

Hoje, em pleno século XXI, apesar das camadas mais pobres serem as mais afetadas com a globalização, o acesso a certos bens de consumo se tornou cada vez mais fácil. A TV e a geladeira, por exemplo, são os produtos mais presentes na maioria dos domicílios e não é difícil notar que com o consumismo e o interesse das empresas pelo lucro, as possibilidades de ter comprar uma roupa ou tênis de marca, ou qualquer outro produto, como o celular, se tornaram muito maiores. Pois, ainda é perceptível o esforço de muitas pessoas consideradas de condição baixa, em comprar esses produtos, mesmo que lhe falte à mesa o próprio almoço e janta da forma que poderia ter, a cada dia.

Assim, a cultura popular, segundo o documentário, se sobrepõe à cultura de massa a partir do momento que se difunde e mostra o seu lado tal como se faz presente na realidade. Sendo assim, de forma mais especificada, pode-se dizer que a globalização, ao mesmo tempo em que possibilitou às populações mais afastadas e carentes o acesso ao conhecimento técnico e científico, contribuiu para o desaparecimento de culturas regionais e locais em detrimento das mais dominantes. Além da quebra de pensamento da existência de uma única identidade. Pois ao longo do tempo, com o consumismo, o acesso a essas novas culturas etc. contribuiu para que o sujeito não mais visto como centro do processo passasse a ser percebido no mundo moderno, mais que um sujeito sócio histórico, também como um sujeito ainda em busca de sua identidade.