Ê, Minas, ê Minas!
As primeiras impressões de Minas Gerais me chegaram, ainda criança, de duas formas: através dos livros didáticos e da música. Lembro-me com nitidez das fotos de cidades históricas como Ouro Preto e Tiradentes, que povoavam a minha imaginação e me remetiam a uma atmosfera de beleza e mistério.
Mesmo com toda a força desse lado histórico que seduz o país inteiro e o mundo, Minas foi mais Minas em minha vida através da música. Como agradeço ter vivido a infância e a adolescência numa época em que estavam no auge nomes como Milton Nascimento, Beto Guetes, Lô Borges, Toninho Horta, Tavito, Tavinho Moura, 14 Bis e tantos outros integrantes desse movimento musical que ficou conhecido como Clube da Esquina.
Mesmo em uma cidadezinha escondida entre as serras do Sudoeste baiano, onde não havia energia elétrica em tempo integral, telefone ou asfalto na década de 1970, o chamado Som da Cidade (serviço de sonorização da Prefeitura, com caixas de som penduradas nos postes) tocava essa turma toda, além de outros nomes de peso da MPB, como Roberto Carlos, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethania, Elis Regina e João Bosco. Eram as letras de suas canções que nós, as crianças, copiávamos em cadernos para cantar na escola ou tão-somente debaixo do chuveiro.
Na semana passada esse universo mineiro (que também abracei concretamente como meu em 1993, quando vim morar em Viçosa) chegou às minhas mãos de uma forma inusitada. Adquiri o "Histórias do Clube da Esquina", uma espécie de revista em quadrinhos impecavelmente produzida pelo desenhista e roteirista Laudo Ferreira e pelo arte-finalista Omar Viñole. Num trabalho primoroso em todos os sentidos, os autores contam a trajetória desses artistas que deram ao mundo um rico e vasto material poético-musical, que fundiu MPB, rock e sons regionais, associando-o a um jeito todo próprio de enxergar o mundo.
Uma das fontes dessa obra belíssima foi dada por um dos idealizadores do Clube da Esquina, o poeta, compositor e jornalista Márcio Borges, irmão de Lô. Ele foi grande amigo e parceiro de aventuras do então Bituca - como Milton era/é carinhosamente chamado pelos amigos. É de Márcio a autoria de um livro que considero a obra mais completa sobre essa turma. "Os sonhos não envelhecem", que ele chegou a lançar em Viçosa no início dos anos 2000, traz toda a verve criativa dos bastidores e palcos dessa geração que marcou para sempre a própria história da MPB.
O nome do livro é um trecho de uma das inúmeras canções de Márcio Borges - "Clube da Esquina 2" (esta em parceria com Milton e Lô), em que ele arquiteta uma poesia capaz de desnudar a natureza humana. "Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos, e sonhos não envelhecem (...)". Aí ele sintetiza o principal combustível que move a jornada de qualquer mortal, especialmente na fase adulta: a esperança. Se na infância sonho e fantasia são a mola-mestra para o grande salto que está por vir, e na juventude sonhar é tecer planos acima do alcance das mãos, na maturidade os sonhos são sinônimos de pés no chão e olhos no futuro. Todos aqueles que, como eu, transitaram pelas três fases e foram influenciados pelos frequentadores do Clube da Esquina sabem o quanto eles continuam renovando os nossos sonhos.