O samba autêntico de Aline Calixto
Mesmo sendo um assumido fã do rock e do folk – enquanto trilha sonora mais presente ao longo da minha vida, tenho profunda admiração pelos ritmos-base da autêntica Música Popular Brasileira. O samba é um deles!
Tive o privilégio de ouvir na infância os melhores nomes desse estilo musical, que, a meu ver, foi relegado a segundo plano nas duas últimas décadas, desde que a indústria fonográfica, as rádios e os programas de auditório da TV elegeram como uma de suas prioridades o chamado “pagode romântico”. Aos 9, 10 anos, na década de 1970, esperava com ansiedade que as rádios (e o “Som da Cidade”, na minha Boa Nova-BA) tocassem os sucessos de Clara Nunes, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, João Nogueira, Beth Carvalho, Alcione, Roberto Ribeiro... Sem falar naqueles que não eram necessariamente sambistas, mas que sempre tinham ótimos sambas em seus discos, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Toquinho e Vinícius, Elis Regina, João Bosco, Gonzaguinha, Simone. Infelizmente, a Velha Guarda (Cartola, Ataulfo Alves, Pixinguinha, Candeia, Monarco, Nelson Sargento, entre outros) só vim conhecer melhor bem mais tarde, já na fase adulta.
A década de 90 e o início deste novo milênio não foram frutíferos para o samba autêntico. Mais uma vez precisei contar com nomes da MPB de estilos variados, a exemplo de Marisa Monte e Maria Rita, para ouvir regravações e novas composições do samba que contagia, que emociona. Lá pelos idos de 2003, em Viçosa-MG, tive o prazer de conhecer um nome da novíssima geração que compõe e canta com a alma de sambista. Estou me referindo a Aline Calixto, que lançou seu primeiro CD no dia 25 de junho último (com prévia em Viçosa, um dia antes, numa animada roda de samba no Bar Leão).
O disco, que leva seu nome, é bom do início ao fim! Já ouvi muitas pessoas que a viram no palco tecerem comparações com Clara Nunes. Sei que os artistas não gostam deste tipo de paralelo, pois é como se tirasse a sua autenticidade, mas conheço Aline o bastante para saber que ela é super fã da grande sambista mineira e se sente lisonjeada com a justa comparação. Sua energia no palco, o repertório e mesmo a voz são uma espécie de resgate do “furacão” Clara Nunes, que nos deixou muito cedo, no auge de uma carreira brilhante.
Embora já esteja há algum tempo na estrada (tendo faturado, inclusive, alguns festivais), a carioca de nascimento e mineira de criação Aline Calixto só agora começa a ter o destaque que merece. Em maio ela marcou presença com muita personalidade no programa Som Brasil, da Globo, em homenagem a Martinho da Vila. O sucesso de seus shows em casas noturnas do Rio e de Belo Horizonte no ano passado despertaram a atenção da Warner Music, que apostou no seu primeiro disco.
Das treze canções do CD, três têm a assinatura de Aline (“Cara de Jiló”, parceria com Juliano Buteco, “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, com Makely Ka, e “Você ou Eu”, com Mestre Jonas). Para os que quiserem encontrar os traços “claranuneanos”, recomendo ouvir “Oxossi” (de Roque Ferreira), “Rainha das Águas” (de Douglas Couto e Rodrigo Santiago) e “Tudo que Sou” (de Toninho Geraes e Toninho Nascimento). A pitada “Velha Guarda” pode ser conferida nas ótimas “Retrato da Desilusão” (de Mauro Diniz e Monarco) e “O Teu Amor Sou Eu” (de Rogê e Arlindo Cruz). As demais faixas são tão boas quanto as que mencionei. Na verdade, eu teria dificuldade em dizer qual a melhor candidata a carro-chefe como música de trabalho.
A área de Geografia perdeu uma grande professora e pesquisadora (a conheci de perto enquanto colega no ofício de lecionar). Aline, que se formou na UFV (Universidade Federal de Viçosa) e alavancou seu trabalho como cantora e compositora em Viçosa, fez a escolha certa ao abraçar a música. Tomara que o Brasil e o mundo reconheçam isto muito em breve!