Recortes sobre a dor de existir
Nada é tão antigo e tão atual do que tentar entender a existência humana. Antes mesmo de ter sido mote para os primeiros nomes da Filosofia, este tema sempre trouxe em si a carga filosófica que qualquer pessoa carrega, mesmo sem querer. “Existirmos, a que será que se destina?” Questionou o cantor e compositor baiano Caetano Veloso na música Cajuína.
Numa das muitas visitas a uma das comunidades do Orkut que mais gosto – a “Café Filosófico ‘Das Quatro’” – encontrei um tópico particularmente instigante. Com o título “A Dor de Existir”, a sua proponente abre o fórum com a seguinte pergunta: “quando cessará a dor de existir?” A seguir, alguns recortes interessantes do referido tópico, que mostram bem como as “pessoas comuns” podem dar valiosas contribuições em qualquer debate.
O primeiro a se manifestar – um xará da capital paulista – disse textualmente: “a dor de existir cessará talvez quando chegar a morte, mas se tem vida após a morte continuaremos existindo; sendo assim, continuaremos sofrendo. Além disso, podemos reencarnar, ou seja, uma segunda morte, depois outra, mais outra... Se é isso, para que serve essa dor? Tem remédio?”
Logo em seguida, Flávio Fernandes, de São José do Rio Preto-SP, apresentou uma visão um tanto oposta à anterior: “existir não dói! A existência não se resume em dor, porque a dor, em geral, é passageira, pois se for constante é sofrimento. Como não existe quem só sofre, logo, existir não é sentir dor!”
A mineira de Uberaba – Mônica Silveira, ampliou o leque das opções e contextualizou a dor dentro da própria existência: “a dor é transitória, o sofrimento é que gruda em nós e nos mantém empacados, impedindo nossa evolução. Às vezes o processo de cura de uma doença é doloroso, mas necessário. Já passamos por isso, todos nós, várias vezes. E quando a cura chega, finalmente, o alívio nos fará rapidamente esquecer o sofrimento. A dor de existir é esquecida com os momentos bons que temos na vida, e assim será em toda existência: dor, cura, dor, cura...”
Lembrando um trecho de uma das composições de Renato Russo ("toda dor vem do desejo de não sentirmos dor"), o baiano de Salvador – George Frey, ressaltou que por mais difícil que seja o sofrimento, uma forma de lidar com ele “não é deixar de existir, e sim passar a viver”. O gaúcho de Passo Fundo – Francisco Quiumento, foi bem direto ao recomendar “um analgésico de auto-ajuda leve ou um anestésico de Sören Kierkegaard” (filósofo dinamarquês do século 19, considerado o alicerce para o movimento Existencialista de Jean-Paul Sartre, Simone du Bovouir, entre outros). “Esqueça a dor e continue vivendo! Fé absoluta na razão e na vontade!”, escreveu.
Finalmente, Kátia Góes, amazonense residente em Belo Horizonte, lembrou que a dor de existir, ainda que individual e intransferível, pode, sim, ter parâmetros de comparação: "chorei porque não tinha sapatos até que encontrei alguém que não tinha pés. A nossa dor de existir fica menor quando constatamos que não estamos sozinhos neste barco e existe alguém em pior situação. Viver é uma miscelânea de sentimentos, como dor, alegria, tristeza, euforia, amor, felicidade, esperança. Cada hora um deles se sobrepõe aos demais. Mas ninguém é infeliz sempre, ou sente dor indefinidamente.”
Em casa, na escola, no trabalho ou numa mesa de bar, filosofar sobre a existência é sempre sinal de maturidade. Claro que também é bom reservar momentos para as amenidades ou mesmo para o besteirol. No entanto, o que está em jogo é o próprio bem estar cotidiano, que está diretamente ligado ao conhecimento que cada um tem da própria existência. As atitudes capazes de mudar radicalmente a vida de alguém podem surgir disso.