Tributo à amizade
O que a Rede Globo costuma produzir de melhor é sempre destinado a um público reduzido. Que o digam Jô Soares e Serginho Groisman, cujos programas são exibidos em horários feitos para insones. O mesmo vale para séries de estrondoso sucesso mundial, como Lost e 24 Horas, que nas TVs por assinatura passam em horários nobres, enquanto na Globo vão parar bem depois da meia-noite.
As minisséries anuais da emissora – esmeradas produções com textos fabulosos e elenco de primeira – parecem ser reservadas à exportação, já que aos brasileiros elas são oferecidas no horário que sobra, cada dia da semana ocupando um diferente. Difícil é constatar que algo tão primoroso chega a ter seu tempo reduzido em decorrência do “paredão” do Big Brother... E ainda tem gente que quer que nos levem a sério lá fora!
Lamentos à parte, não foi para externar minha indignação com as preferências da Globo que escrevi este texto. Como o próprio título sugere, minha real intenção é apenas comentar a feliz iniciativa da emissora em ter levado para a TV uma obra tão oportuna como "Aos meus amigos", de Maria Adelaide Amaral. Foi ela quem adaptou o próprio livro para formatá-lo na minissérie “Queridos Amigos”, exibida no início deste ano. Vale ressaltar que Maria Adelaide é autora de outras adaptações literárias que viraram pérolas televisivas, a exemplo de "A Muralha", "A Casa das Sete Mulheres" e "JK".
A história do protagonista de “Queridos Amigos” – Léo (interpretado por Dan Stulbach) – é, na verdade, uma referência à vida de um grande amigo da escritora, o jornalista Décio Bar. Em uma de suas entrevistas para comentar a minissérie, Maria Adelaide disse que Décio foi alguém determinante em sua vida e que lhe ensinou o caminho das pedras da boa literatura e da Filosofia.
Em “Queridos Amigos”, que se passa em 1989, Léo é aquele que se vê impelido em reunir os verdadeiros amigos – aqueles que duas décadas antes foram a família que ele escolheu ter em plena juventude. Separados pelas escolhas pessoais e profissionais que cada um fez ao longo do tempo, eles são chamados a se reunir uma década depois do último encontro, todos agora beirando os 40 anos. Saudade, estranheza, ternura, mágoa, paixão congelada são apenas alguns dos sentimentos que vêm à tona no reencontro armado por Léo – agora tomado pela angústia de ver escorrer pelas mãos a sua própria vida.
A minissérie exalta algo que sempre me foi muito valioso. Costumo cultivar com afinco as amizades que já completaram uma, duas e até três décadas. Alguns amigos lá da infância têm filhos que já estão quase com a idade de quando nos conhecemos. Estes ou são afilhados ou são os chamados sobrinhos-do-coração.
Houve um tempo em que a separação dos amigos mais próximos (os que chamo de “amiguirmãos”) me trouxe muita dor e chegou a me deixar confuso sobre qual rumo seguir. É que os vi ficar nos lugares que deixei ou ganhar a estrada para outros cantos. Antes, no auge de nossas amizades, no fim da adolescência, acreditávamos ser possível encontrar um lugar onde nos coubesse a todos; onde pudéssemos, cada um na sua, realizar nossas potencialidades e até ver nossos filhos crescerem juntos.
Infelizmente (ou felizmente, quem sabe!), não temos o poder de controlar nossos destinos com tanta precisão! No entanto, não estávamos errados em acreditar que podíamos. Mesmo distantes e fadados a encontros raros e contatos virtuais, algo belo e já tão escasso ainda resiste em muitos de nós. Sabemos que nenhum tipo de solidão é capaz de nos fazer perder a fé no melhor da vida, nas qualidades mais sublimes que o ser humano é capaz de tecer.