Você tem medo de quê?
“(...) Eu tenho medo de abrir a porta que dá pro sertão da minha solidão (...)”. Assim escreveu Belchior, num dos trechos da bela canção “Pequeno Mapa do Tempo”. A letra é quase uma ode ao medo, inclusive ao mais explícito de todos eles, na percepção do cantor e compositor cearense: “(...) eu tenho medo de que chegue a hora em que eu precise entrar num avião (...)”.
Ligado ao instinto mais elementar de sobrevivência de quaisquer animais (nós, os racionais, incluídos), o medo é um dos sentimentos mais poderosos que existem. Se, por um lado, ele nos impede de conquistar muitos de nossos anseios, por outro nos obriga a desenvolver o senso de prudência, que é uma variante essencial da razão.
O medo, às vezes, pode até ser percebido única e simplesmente como antônimo da coragem – tão fundamental para que sejamos mais fortes e seguros. No entanto, para os que lidam com a coragem como se ela fosse apenas sinônimo de impetuosidade, um pouco de medo chega a ser prudência.
Curioso é listar, num passeio rápido pela comunidade orkuteana “Café Filosófico ‘Das Quatro’”, os muitos medos das pessoas – principalmente aqueles que não têm tanta ligação com baratas, ratos, cobras, avião, elevador, etc. Os mais interessantes são sempre os que servem de raio-x dos inúmeros temores existentes na alma.
Uma das freqüentadoras daquela comunidade foi bem abrangente e disse o que considero ser a faca de dois gumes nesse assunto: “tenho medo de não ser amada, de ser muito amada até me sentir sufocada; de errar redondo, de acertar demais; de ser ignorada, de ser admirada; de ser agredida, de não saber me defender. Agora medo, medo mesmo, tenho é de acordar um dia sem vontade, sem querer, sem ânimo, sem garra”.
Uma outra declarou que seu maior medo é perder as pessoas que ama; de morrer sem ter tido tempo de criar seus filhos, de que eles não saibam suficientemente o quanto ela os ama. Neste caso, o medo diante da única certeza da vida – a morte – torna as pessoas inseguras, frágeis, dependentes, quando deveria levá-las a buscar entendimentos aprofundados sobre as muitas possibilidades espirituais que envolvem o tema.
O filósofo Lucius Annaeus Sêneca, contemporâneo de Jesus Cristo, defendeu a tese de que “à esperança segue-se sempre o medo”. Ele dizia que ambos caracterizam um espírito hesitante, preocupado na expectativa do futuro. Neste caso, para Sêneca, a capacidade de prever, que ele considera o melhor bem da condição humana, termina se transformando num mal.
“As feras fogem aos perigos que vêem, mas assim que fugiram recobram a segurança. Nós tanto nos torturamos com o futuro quanto com o passado. Muitos dos nossos bens acabam por ser nocivos: a memória reatualiza a tortura do medo, a previsão antecipa-a. Apenas com o presente ninguém pode ser infeliz!”, ensinou o filósofo que acreditava que o “melhor lugar do mundo é o aqui e o agora”. Viver sob a égide deste ensinamento é colocar o medo no mesmo pacote em que se encontram todos os demais sentimentos que nos fazem ser quem somos.