Hoje quero pensar em mamãe.

Minha cabeça pesa e puxa meu olhar para baixo, tudo bem, eu não gosto mesmo de olhar as paisagens de frente. No chão uma barata brinca nos meus dedos, procura comida talvez, sinto cócegas, sinto ela entrar por entre os dedos e daí desisto de olhar, agora só sinto ela e as cócegas. Rir feito criança com uma baratinha aos meus pés, é estranho como depois de uns goles de cerveja e comprimidos minha capacidade de aceitar as coisas simplesmente dobra! Então posso aceitar tudo, por que agora não faz muita diferença aceitar ou não, pois com toda a certeza; vou deixar um cadáver jovem para mamãe velar.

Tiro a baratinha dos meus dedos, a ideia de mamãe chorando por mim e as cócegas da barata não se misturam, de repente, me convém comer o inseto, para assim fazer minha cabeça pesar somente com mamãe chorando por mim. Abro a boca, como se abrisse meu próprio caixão, boto a baratinha na boca, como quem bota o último dos compridos, não mastigo por que a baratinha não merece, sem cerimônia, engulo o pequeno inseto cor de merda. Agora faz cócegas na minha garganta, o último dos comprimidos não quer descer, “força baratinha, a vida é breve mesmo, cabe a ti aceitar tua morte como aceito a minha”…

Minha mãe chorando por mim, só penso nisso, e nas cócegas que provavelmente sentirei na minha barriga, eu devia ter mastigado o comprimido. Eu deveria estar pensando em mamãe, podia não ter aceito os comprimidos, ás vezes gostaria de pensar como um velho que nunca serei. Mas hoje eu quero pensar em mamãe.