A Mão de Deus

O despertador tocou e Lucian se levantou para ir trabalhar. Era mais um dia normal. Beijou a esposa, pegou suas coisas e tomou uma carona até a região portuária, pois pegaria um navio para uma viagem de negócios. Nada fora do habitual. Ele gostava de seguir uma rotina rígida e tinha compulsão em olhar para o relógio. Um típico britânico. Agora os ponteiros apontavam que era 06h45min da manhã. Chegava sempre com 15 minutos de antecedência para qualquer compromisso. Nunca se atrasava e odiava quando os outros não cumpriam com o horário combinado. Assim, esperou pacientemente até que chegou a hora do encontro com o cliente, mas nada de ele aparecer. Logo, começou a roer as unhas de irritação. No entanto, por detrás dele sentiu um toque no seu ombro e quando se virou não conteve o espanto. Era um senhor de idade, barbado, com cabelos compridos vestido de uma camisa xadrez suja, e uma calça jeans toda rasgada. Parecia que não tomava banho há dias, pois estava fedendo a peixe podre.

- Senhor? – Falou no reflexo, inicialmente assustado, mas depois aproveitou e emendou – Ah, com licença, por algum acaso você teria visto alguém importante passar por aqui?

- Depende. Quem você está procurando?

- Ah, bom. Alguém provavelmente bem arrumado e com cara apresentável.

- Hum... Não vi ninguém por aqui assim não, meu jovem. Mas, se você quiser, posso te levar para onde você quiser.

Lucian mediu o homem de cima abaixo e, como não viu alternativa já que o seu intermediário não havia aparecido para leva-lo até o destino, teria de pegar a única embarcação disponível no momento, se não quisesse se atrasar para o encontro.

- Bem, eu... Você acha que consegue chegar até amanhã na parada de Quennstown, Irlanda?

- Mas, é claro! Eu sou um velho do mar. Conheço todos os sete mares como a palma da minha mão! Suba logo naquela Sereia e vamos fazer ela rodar! – e soltou uma risada escandalosa.

O cético rapaz não acreditou muito que aquela barca velha seria capaz de realizar tal proeza e já começava a matutar qual a desculpa que inventaria para o seu inesperado e indesejado atraso. Quando a Sereia começou a se mover, o velho do mar começou a gritar um bando de palavras sem sentido. De repente, em um piscar de olhos, o pequeno barco começou a acelerar sem parar. Aquilo parecia impossível. Como estava de pé, quase caiu com o tranco que deu. Estava vestindo um terno muito bem aprumado e sofisticado, mas que não tardou a se molhar com as ondas de água que saíam da popa que cortava o mar como se não fosse nada.

Por mais que estivesse acostumado a esse tipo de transporte, nunca tinha vivido uma aventura tão radical e começou a sentir enjôo. Aproximou-se da borda para vomitar e acabou perdendo o equilíbrio e caiu no vasto lençol aquático. Lucian viu a sua vida passar diante de seus olhos enquanto mergulhava na escuridão profunda. Até o presente momento não havia realizado nada de realmente bom na sua vida. Vivia para a firma. Vivia para os outros. Sair cedo de casa, viajar, fechar contratos, voltar, dormir, acordar, levantar, sair, fechar contratos, voltar, dormir... Estava se afogando. Enquanto pensava no quão patético era tudo aquilo, sentiu algo embaixo de si o apanhar. Tinha o formato de dedos, era uma mão de proporções colossais, que certamente pertencia a algum ser gigante. Isso era impossível. Sabia que algo assim não existia. Talvez estivesse alucinando devido à falta de oxigênio. Não saberia explicar. E devido à falta de ar, apagou.

Quando acordou estava em terra firme, no ponto de partida. Olhou para o relógio e mostrava no marcador 06h45min. Teria tido apenas um devaneio? Um sonho? Suas roupas estavam secas. Tudo parecia dentro dos padrões habituais. Ao bater 7h00min, olhou ao redor em busca do homem que o conduziria ao Navio e lá estava ele. O velho barbado e cabeludo, só que desta vez vestindo um smoking moderno feito de puro linho. Um perfume forte, amadeirado o acompanhava por onde andava.

- Olá, meu jovem. Você que é o Lucian? O que há com essa cara de espanto? Parece que viu uma assombração. – E riu ruidosamente.

O jovem estava paralisado. Não sabia o que havia acabado de acontecer. Será que tudo aquilo fora real? Hesitou em seguir (novamente) o homem, mas como o outro nem sequer parou para olhar para trás, começou a andar em direção ao navio que estava atracado. Subiu pela escada lateral, e se acomodou em um dos quartos de hospedaria. Deitou na cama e ficou pensando no que tinha acontecido. Ouviu o telefone do seu cômodo tocar e atendeu. Era o seu chefe.

- Lucian? Conseguiu encontrar com o nosso intermediário, o Steven?

- Oi, Doug. Não sei exatamente qual era o nome daquele velhote estranho, mas consegui sim. Obrigado.

- Velhote? Do que está falando? O Steven é mais novo do que você. Aconteceu alguma coisa?

O jovem Lucian ficou mudo.

- Lucian?

Deixou o telefone cair de suas mãos. Não podia ser. Aquela experiência... Qual o significado disso tudo? Quem era aquele senhor? Não tinha a resposta para isso. Mas ao menos agora sabia exatamente o que deveria fazer da sua vida. Voltou a pegar o telefone, e sem pestanejar pediu demissão. Desceu pela escada do Navio que estava prestes a zarpar, e voltou para casa. O que quer que tenha acontecido era um sinal de que algo em sua vida deveria mudar, e assim o fez. Alguns dias depois ficou sabendo pelos tabloides que o Titanic havia afundado e milhares de pessoas tinham morrido. O fato de ele estar vivo naquele exato momento era um verdadeiro milagre. Algum tempo depois disto, poderia dizer que teve uma vida muito feliz ao lado da sua esposa, construindo uma bela família.

Arthurx
Enviado por Arthurx em 08/02/2023
Código do texto: T7714786
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