FLOR ESTELAR
Os ombros dela carregavam tanto peso, como alguém tão pequena podia suportar tudo aquilo...era difícil de se compreender.
O castelo nórdico era frio, com dezenas de cômodos, seis moradores contando com ela e seis empregados tão esnobes quanto seus patrões. Ela diferia dos demais apenas por ser uma bastarda adotada e não podiam se livrar dela, mas, toda a rotina de limpeza da casa, cuidar do imenso jardim, dos cachorros, da limpeza dos estábulos, pelo menos eram só três cavalos no momento e cortar lenha. A situação financeira do castelo não era das melhores nos últimos dois anos, muita pose e pouca ação e derrocada galopava.
Poucos cômodos eram utilizados, por economia somente os quartos e o grande salão de jantar. Os sofás e poltronas da sala de visitas estavam poídos e os cupins quase usavam coroas e tiaras...já tomavam conta do castelo. As pinturas diversas dos quadros dos ancestrais pareciam sombras das memórias de um passado pomposo, uma lástima. O pai da pequena ainda parecia vivo, pois por ser o mais jovem da linhagem, as cores ainda estavam nos tons naturais, saudoso pai.
O galo ainda não tinha acordado, quando as suas funções começavam. Por causa do frio a lenha era primordial e logo depois assava os pães para o café. O restante das refeições duas senhoras preparavam. Ela corria para limpar e arrumar os quartos assim que cada um os desocupava, precisava ser rápida para não ser humilhada de forma pérfida, não era desejada naquele lugar, mas,como viveria? Pelo menos, enquanto o teto não ruísse, ela tinha um 'lar'. A limpeza dos estábulos era cansativa e os braços ficavam doloridos. Os quartos e salas fechados precisavam ser arejados todos dias, para não juntar mofo. Às vezes, uma roupa não muito bem passada, tinha como punição não lhe darem comida por um dia inteiro...houve um dia que para não desmaiar ela comera batatas cruas, arrancadas do solo, o resultado foi um desconforto estomacal e da mesma forma que entraram...saíram virando um novo adubo.
Quanto ao cuidado com os cachorros até era tranquilo, eram dóceis e o pelo não era longo, mas, depois de tudo o que já fizera o cansaço batia.
Apesar de tudo tinha uma hora preferida do dia, o trato do jardim, as flores eram suas amigas, cuidar delas era como ser acariciada de volta, como se também possuísse pétalas. Os perfumes diversificados ficavam no seu corpo, suas belas cores alegravam seus olhos. Se em algum momento sentia felicidade, podia dizer que era aquele, as flores sabiam dos seus problemas, ouviam as suas dores e sem sons, a acolhiam.
Muitas semanas depois, ela estava tão cansada que se recolheu após a hora do chá da noite, deixando para passar as roupas no dia seguinte. Foi acordada com um balde gelado d'água e arrastada para dormir no estábulo, por pura maldade. Seu corpinho tremia e o feno não lhe dava o calor necessário...sua alma parecia estar desistindo...com muita dificuldade a mocinha se arrastou até o jardim, precisava de um pouco de conforto e com as flores, se sentia segura.
O universo tem reações que ninguém desvendou até hoje. Assim que ela se deitou entre elas, alguma coisa aqueceu seu corpo de dentro para fora, ficou inerte, sem dores, sonhos ou sentidos. As flores foram se abrindo e se juntando, formando um lençol aconchegante e com aroma floral. Quanto mais se juntavam, o corpo da moça ganhava um brilho translúcido e de repente virou um ponto luminoso que subiu velozmente para o céu, se tornou uma estrela flor, linda, soberana na imensidão e finalmente, livre!
* imagem de pt.vecteezy.com