Histórias de um Sensitivo. Parte 2
Precisamos começar bem do começo e isso não é uma tarefa fácil porque nem sempre o começo é o começo quando falamos de experiências que não fazem sentido do ponto de vista lógico.
Vamos presumir que essa história começa quando compramos a casa onde moro atualmente. Nosso filho, André, já ensaiava os primeiros passos e não queríamos vê-lo crescer no apartamento minúsculo onde morávamos, então decidimos vendê-lo e procurar uma casa maior em uma área afastada do centro e que coubesse no nosso orçamento. Precisamos vender nosso apartamento, nosso carro e financiar a outra parte do valor para conseguir a casa mas não me arrependo. Somos felizes aqui e mesmo na época em que me incomodava a presença de Rodolfo, JAMAIS me arrependi de ter vindo morar aqui. Esse lugar é o nosso lar!
Antes de nós, este imóvel pertenceu a uma viúva que por não suportar as lembranças do falecido marido, mudou-se de bairro e mantinha-o alugado. Cheguei a conhecê-la quando fomos acertar toda a documentação da venda e não precisei perguntar sobre o finado porque ela mesma fez questão de contar o quanto ele havia sido um grande guerreiro, lutando anos contra o câncer, coitadinho.
Felizmente não desencarnou em casa, pensei. Sua esposa me contou que ele agonizara por semanas no hospital. Não me orgulho de dizer que agradeci por receber tal informação, mas você deve me dar um desconto. Desde criança eu pressentia coisas, via vultos e ouvia vozes. Se eu soubesse que alguém morreu na minha futura casa, certamente passaria as próximas noites acordado e ligeiramente em pânico.
Ser sensitivo não é das coisas mais agradáveis que existe. Quer dizer, pelo menos não para mim. Na maior parte do tempo ouço um burburinho, como se várias vozes cochichassem ao mesmo tempo no meu ouvido ou como se eu estivesse em um lugar muito barulhento com muitas pessoas conversando. Mas confesso que certas vezes até que é um pouco interessante. Como por exemplo quando a fala de alguém se destaca e eu consigo ouvir trechos de conversas ou quando ouço alguém falando diretamente comigo, contando-me, assim, um segredo ou uma história mais particular.
Já cheguei a me questionar se não teria algum tipo de problema psiquiátrico. Quando era mais jovem agendei algumas consultas com um especialista mas a Sônia, na época minha noiva, não concordou que eu fizesse uso de medicamentos fortes. Ela dizia que eu não podia querer me desfazer de um dom de Deus com remédios que me deixariam sonolento alegando que minha singularidade era algum tipo de alucinação. Acabei me convencendo de que era uma pessoa, no mínimo, exótica, diferente, peculiar. Isso acaba tendo o seu charme, principalmente com mulheres.
Até que nos mudamos para essa casa e comecei a sentir a presença constante de Rodolfo. E foi aí que tudo começou.