Anamnese.
A sentença foi uma consequência muito além do crime o qual nem sei que cometi…mas lá estava eu, achando-me um cordeiro a recebê-la.
Minha primeira reação foi indagar incrédulo se precisava ser a forca... foi uma forma de buscar piedade, quando uma pessoa, totalmente aquém das circunstâncias, simplesmente interveio a dizer-me que tudo estava nos escritos da lei e nem lamentou ou sequer consolou-me, um tremendo golpe da realidade, que me atordoou.
Ainda faltava um tempo para execução… e foi aí a minha tortura, onde padeci ao ver pessoas que comigo conviveram intensamente, chegando curiosos e ávidos, para presenciarem a inédita execução. Pediram bebida… e eu preferi, pela primeira vez ficar lúcido…
As pessoas não se importavam com o fato de que o executado seria eu, aquele que tantas vezes os ajudou, que em tantas jornadas e missões alegres e tristes, felizes ou frustrantes estivemos juntos…foi então que meu espírito começou a conformar-se e ao aproximar da derradeira hora, alguém por quem eu nutria grande admiração, chegou ao local e dirigiu-se a mim dizendo que já estava tudo resolvido, já abatido, meu coração encheu-se de esperança e a pessoa completou que o patíbulo estava pronto. Engoli seco e senti que perdi toda a minha força e razão ante aquelas pérfidas pessoas, pareciam cênicas, indiferentes, mormente naquele momento tão capital!
Pior que sentir a corda me entrelaçando, foi sentir o vazio do abandono de quem eu jamais esperava, a indiferença, quando eu mais precisava…
Eu estava de branco, no bastidor do cadafalso, numa espécie de antessala da morte, desolado, com muitas pessoas do meu convívio olhando-me com a intensidade e curiosidade de quem queria saber o que eu estava sentindo... e bebiam e riam… ali, o medo da execução foi superado pela indignação… e eu passei a desejar aquele infortúnio...
Tudo não chegou ao ápice, não senti a última dor material, nem o bafo do verdugo, tudo passou-se às margens fronteiriças a alma, mas deixou-me a certeza de que tudo aquilo foi por mim vivido, uma onírica metáfora de uma realidade fria e indigesta, pela qual de outras maneiras eu amarguei.
Ronda-me o meu maior e ainda inarredável medo: o abandono, a solidão… mas na verdade, o que é ainda mais paradoxalmente consolador do que angustiante, é ter consciência de que serei eu quem sempre tecerá as cordas que por meu peso anseiam e buscará os próprios, previsíveis e justíssimos enforcamentos.