Crepúsculo dos Deuses
Havia uma época em que miríades de deuses competiam pela fé das criaturas mortais, em busca de poder. A fé desse povo era o alimento principal desses seres celestiais. No entanto, quando a ignorância terrena foi substituída por um esclarecimento maior em relação aos fenômenos assustadores e imprevisíveis da natureza, o mundo Antigo abandonou pouco a pouco os seus deuses, de maneira que eles foram enfraquecendo no mesmo ritmo. Quanto mais enfraqueciam, menos milagres eram capazes de realizar, e, por isto mesmo, havia cada vez menos motivos para continuar acreditando neles. Em pouco tempo, já não existiam mais sacrifícios de sangue ou oferendas. Não se orava mais e nem pedia-se nada aos entes divinos.
Diante dessa crise, em um último esforço de suas vontades, movidos pelo desespero e pelo medo de sumirem completamente da Existência, os deuses Antigos decidiram se unir e se espalhar entre os seres humanos na terra, misturando-se no meio deles. Todos estavam bastante enfraquecidos, quase esgotados, mas decidiram não permitir que a fé desaparecesse completamente do mundo. Assim, partiram em sua jornada para salvarem a si próprios e a humanidade, a qual estava ficando cada vez mais perdida e decadente.
Já não eram mais imortais, mas a chama de suas vidas elevadas ardia mais intensamente do que a de qualquer outro ser mortal. Por conta disso, atraídas como mariposas pelo calor da lâmpada, multidões se aglomeravam ao seu redor, sem que absolutamente nenhuma incitação precisasse ser feita por eles. O simples fato de irradiarem uma tênue, porém aconchegante luminescência, fazia com que os corações daquele povo agitado se convalescessem e, em alguns casos, as pessoas quase recuperavam a sua humanidade.
Todavia é bem sabido que nem todos os deuses possuíam boas intenções, assim como aconteciam com os mortais, antigos servos de sua majestade. Alguns lideraram e lançaram nações umas contra as outras; Os mais gananciosos usavam o seu poder de atração para enriquecer à base da exploração de seus súditos; Uns poucos permaneciam neutros, ocultos pelas sombras dos milhões de corpos sem vida que caminhavam todos os dias pelas ruas das cidades, e assim sucessivamente. Até remanesceram alguns dentre os bons, mas a grande maioria desses foi dizimada por seus próprios seguidores - alguns pela cruz, e outros pela espada. Em todos esses casos, a má-fé foi tão prejudicial quanto o seria a falta da fé. Desacreditados, humilhados, lançados à miséria e pisados por aqueles que rejeitavam a sua dignidade, foram reduzidos a um número quase insignificante. Aqueles que resistiram, foram obrigados a se esconder, para não serem perseguidos e massacrados em praça pública.
Muito tempo se passou, e desde há muito que perderam o seu status divino. Só o que resta da herança mística que ainda perdura neles, é sua moral, implacável e impetuosa - um senso de justiça que ultrapassa em muito a capacidade limitada da consciência humana. O poder atual dos deuses nem se compara ao que já foi nos tempos imemoriais, contudo, eles ainda resistem, e lutarão até o fim. Enquanto a última centelha de fogo arder em seus peitos cansados ou no de seus descendentes, ainda haverá esperança...