ABAIXO DA RAIZ NÃO TEM CAFÉ


Cansado de comer grama pela raiz, quebrou o madeirame envelhecido do caixão, a cova era rasa, abrir espaço para que o seu braço quase todo  descarnado atravessasse o solo sagrado, foi até fácil. A terra estava meio fofa por causa de dois dias chuvosos anteriores, conseguiu enfim sair da cova inteiramente com fome de assustar, era noite e tudo estava vazio no camitério.

Luiz ia tomar seu quinto café da ronda entre os sepulcros, apoiou o copo da garrafa térmica cheio sobre um túmulo, escutou um chachoalhar de ossos e sua atenção redobrou. Olhando para o lado, viu aquele corpo torto descarnado e com larvas penduradas, bebendo seu café sem sucesso, pois o líquido vazava pelos espaços abertos na ossada. Não correu tampouco gritou, apenas caiu de olhos arregalados sem vida no solo.

Enquanto isso o defunto, arrastava seus ossos carregando a garrafa térmica e copo de volta à sua cova, entrou, se deitou e a necrópole voltou a ficar silenciosa.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 24/03/2019
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