Ode outonal

Se pudesse eleger minha paisagem de coisas memoráveis,

Elegeria o velho casarão da quinta de minha infância perdida,

Localizado numa aldeia distante, num outono de melancolia amarelecida,

À hora crepuscular, com o repicar de sinos, ao longe . . .

Outrora eram soluços graves de violinos,

Lamentos magoados de violões,

Langor dolorido de piano,

Janelas abertas para o vale em ouro,

Árvores vestidas de tristezas depostas e de mágoas antigas.

Recordo, e minha alma se enche de uma ânsia pálida,

De uma saudade brumosa . . .

Hoje sei que minha alma pressentia o cárcere mudo,

A dor no desamparo do calabouço . . .

Eu não tinha o coração partido,

Não sabia interpretar com clareza o turbilhão de emoções gris

Que se agigantava quando, ao longe,

Soava a hora do entardecer . . .

Ah, meu Deus!

Hoje são girassóis de tédio,

Velhas chagas abertas,

Réquiem do sol nas horas trêmulas do ocaso,

Dolências de lírios e de rosas,

Vento em atropelo no ar que alberga folhas-mortas

Que se desprendem atônitas, amareladas e

Que se deixam levar entorpecidas, ébrias e decaídas . . .

Ouço, vindo de muito longe,

O dobre dolente dos sinos de minha infância perdida -

Pipa feita com as cores dos sonhos,

Planando majestosa na palidez azul do céu, na tarde infinda . . .

Por certo, dobram por meus desenganos, pela nostalgia que sinto

Ou pela assombrosa saudade dos dias que se perderam no tempo . . .

Dobram, dobram e dobram por meu espanto

Diante desta hora vestida de púrpura,

Hora em que não sei o que fazer de mim . . .

Outono. Fim de tarde.

Tudo parece diluir-se em cores fortes e sossego!

Um vento brando toca as folhas-mortas

Que rodopiam num balé triste e sincronizado . . .

Os pássaros cantam seus últimos acordes sonoros,

Agradecendo o dia que se esvai em sangue . . .

Ouço Chopin diante da lareira para amenizar as saudades

Que entristecem meu coração . . .

Meu Deus! Outono!

Tempo de acordar os velhos fantasmas adormecidos,

Enxotá-los ao diabo que os carregue . . .

Arrumar as gavetas: jogar fora velhas recordações;

Chorar rios de lágrimas diante de velhas cartas de amor,

Embriagar-me com absinto,

Encharcar-me de lembranças caducas . . .

Outono! Folhas-mortas! Tédio de ser! . . .

Oliveira