NIGHTS OF ETHER #2 / AS HORAS ETÉREAS II

2.ª Proposição

Envolvido em êxtase supremo como nunca houvera antes.

Fiéis e verdadeiros são os sentimentos que adquirem a forma de lágrimas...

Quem buscará contá-los para confirmar a sua veracidade?

A noite moça me provê de memórias em tom confidente, e não há quem possa interpretar-lhe o murmúrio a não ser eu mesmo, conforme meu pensamento, meu coração.

Houve um dia. Nele, vieram passos impacientes, desgovernados pelas calçadas;

O joão-de-barro não deixou de construir a sua morada devido à chuva torrencial vespertina.

Veículos e transeuntes se cruzavam nos semáforos. Eles não se esquecerem de comparecer para o espetáculo de um dia nublado, quente, asfixiante.

As mãos. Olho para as minhas.

Observo tudo o que está contido naquele pedaço frágil de carne, pele e ossos:

Calos; linhas e traços em paralelo, transversais, comunicativos.

A rua se estende por entre os paredões de concreto, aço, ferro, vidro e gente dos edifícios.

Adiante, todas as estradas já foram percorridas por estes mesmos pés.

Estradas que desembocam em estradas, feito linhas e traços comunicativos...

Descalço, andarilhando em percalço de encontros nunca marcados.

As mãos tocam o chão, as unhas se cravam na terra de um jardim mal cuidado, a palma se enche, os torrões ressequidos escorrem por entre os dedos longos, longânimes.

Trabalhemos.

Venhamos mais uma vez. Mostramo-nos desiludidos de tristeza e de medos desconhecidos.

Ai, que sonho de futuro que buscamos! Que mãos, que dedos, que braços incompetentes!

Que conjunto orgânico degradante e desagradável!

Perecível, insensato, inconformado, insaciável.

Incontentável.

Quem a outro – espelho de si – amou, só viveu de passados.

E aqueles que namoraram sob perspectivas e expectativas de completude faleceram mais cedo.

Uma menina me admirava.

Admirava?

Acho que dormia.

Tempo e espaço nos separavam.

Perdemos as contas e o contato, enterramos os planos, morremos de admirações mútuas, múltiplas, irreais, inatingíveis.

Restaram-nos somente os dias, as noites.

Esta noite.

Noite, noite, noite.

Quem poderia ouvir-me? Canso.

Canso e descanso e torno a cansar.

O ócio é um câncer, realmente.

Mil risos são os risos dos luares minguantes que desvanecem no rosto estrelado da noite.

Falta-me ar.

Destituído de forças, da minha coluna vertebral; ócio e desânimo.

Será que escrevo... Escrevo.

Escrevo?

Quisera eu crer no que escrevo.

...

A menina está aqui, comigo.

Com minha esquizofrenia incurável, ao alcance das minhas especulações descabidas e incalculadas

Um filme em minha mente.

Sempre, sempre, sempre comigo.

Desde sempre, quando te conheci.

Quando nos conhecemos.

As fotos dela usam o olhar dela, e sonham por ela, e sorriem para ela.

E mais de uma vez a ouvi dizer que sonhava por nós dois.

Era isto assim? Assim mesmo?

Oh, eras meiga, se eras!

Eras êxtase, como o de uma noite pesada envolvida na supremacia destes sentimentos indescritíveis.

Não posso respirar... Estás aí, pequena?

Que façanha que eu faça poderia trazer-me a paz à alma após conhecer-te?

Penso se, ao longo do tempo, haveria tempo para retomar qualquer passo evitado a tempo...

Penso, e tento a todo custo deixar de pensar.

Não pára, contudo, o pensamento.

Vem e volta, vem e volta, vem...

Só tu que não voltas!

Cigarras juntam-se ao enlevo.

A música enche o pulmão da noite, mas eu não sinto a brisa noturna ao abrir a janela.

A escuridão exala, na integridade da sua essência, um hálito irreconhecível.

Estou fora de mim.

Devo repousar, somente; estou exausto.

Quem cometeu tamanho engano e deixou estas folhas em branco neste caderno?

Escrevo.

Escrevo?

Durmo.

E continuarei a sonhar contigo no êxtase de uma irrealidade à parte.

Composição: sábado, 10 de novembro de 2012;

Retomada e alterações: sábado, 22 de outubro de 2016.

F H Pupo
Enviado por F H Pupo em 16/03/2025
Código do texto: T8287049
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