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“NÃO HÁ MAIS VAGAS”

 

Quem sou eu?

Sou o arquiteto de sonhos,

O engenheiro de ilusões;

Sou o decorador dos maus momentos,

O pintor das horas críticas;

Sou o trabalhador braçal do Amor,

O boia-fria do Desprezo,

O construtor de pontes para os caminhos da depressão,

O escavador de túneis para um Hades de impiedade;

Sou o mestre a desensinar o discípulo,

A conduzi-lo à frieza e ao ódio

Sou o gari de toda soberba alheia,

O faxineiro d’Ambição e da Luxúria,

O empregador dos mendigos da solidão,

O explorador dos fracos pela cegueira,

Sou o advogado dos pobres de espírito,

O juiz dos condenados à redenção...

Líder religioso de uma horda de descrentes,

deus da discórdia e da rebelião;

Sou o síndico dos edifícios desmoronados,

Membro comunitário da desunião,

Arauto, mensageiro do esquecimento,

Carteiro com cartas em branco à mão;

Sou o economista das palavras vãs,

Astrônomo sob um céu de lixo discursivo,

Criador da bomba atômica do Silêncio,

E da relatividade do (in)certo, penso,

O geólogo preocupado com a vida

Da terra quadrimilenar da Poesia,

Oceanógrafo dos mares ritmados

Pelo canto das sereias do Engano;

Historiador dos descobrimentos e achados

Do nada no horizonte desses anos;

Sou o piloto de uma vida em queda livre,

Capitão duma fragata que naufraga;

Dono de uma loja de brinquedos

Que observa seu estoque e indaga

Pelo carrinho sem o controle do Destino,

Pela perna da boneca já perdida

No corre-corre do Amor – parado ainda –

Ou no porão da escuridão de outra vida...

Sou o contrabandista de sentimentos,

A revendê-los por quase nada,

A recebê-los dos quatro ventos

Com nota falsa, adulterada...

Sou exportador de visões, e importador

De calúnias e descontentamentos;

Sou de histórias duvidosas o contador

Das finanças – confiança que eu lamento;

Sou acionista da Bolsa de Horrores,

Bilionário da pobreza de Esperança,

Anestesista com a agulha das mil dores

Sobre a pele dos tumores da Ganância;

Sou o lutador nocauteado pela vitória,

Que venceu as mil lutas, derrotado,

O viajante preso em si, no mundo afora,

O soldado que caiu sem ter lutado;

Sou tanta coisa e, ao fim, não sou mais nada

Pois tantas vagas têm passado em mim, tão vagas

No exercício de funções remuneradas

No final com um sinal “NÃO HÁ MAIS VAGAS”...

 

Texto escrito em 02/04/2011

Publicado no Jornal Relevo, em janeiro de 2012, ed. 06, ano II