Oculto no jardim da casa, ele já estava por um bom tempo curtindo a paz que entrava por todos os sentidos, assumindo a claustrofobia urbana enquanto se sentia rodeado por um quase nada, repleto de verde e azul, de pios e de pequenos turbilhões, de cheiros de jasmim e da culinária dos vizinhos, tarde de café e bolo.
A chuva fina começou de repente, sem aviso, sem ser convidada, e com cara de quem não queria ficar muito tempo por ali, trazendo do baú os ditados de chuva e vento, chuva e sol..
Empurrado assim para dentro de casa, as cortinas de organza seriam o anteparo suficiente para o inesperado.
Mas junto com a chuva veio o vento, e o verde e azul que sumira com a cortina, retornou com a janela de vidro.
E foram-se com o vento, os aromas.
E vieram assustadores raios e trovões para substituir os pios e turbilhões,
inquietantes e assustadores,
obrigando a fechar as janelas de madeira.
E foi-se a claridade.
Agora, trancado entre quatro paredes, sentia-se seguro enquanto mantinha os olhos fechados, sem cores, sem sons, sem aromas, sem os arrepios do tempo, em sua caixa de concreto.
E então, na clausura inesperada, surge algoz e abstrato, o pensamento.
Envolto em uma névoa quente e úmida.
O pai tinha um fusca, o carro com maior capacidade de bagagem que já se construiu.
Seu lugar cativo era o buraco atrás do banco traseiro.
A mãe preparava sanduíche de pão de forma com patê para as intempéries do caminho,
mas havia sempre uma parada no Belvedere para o deleite gastronômico do pai.
A viagem era longa, feita em dois carros,
sendo que o de seu tio impunha uma espera no meio da serra,
porque fervia quando os caminhões não permitiam ultrapassagens na pista de mão dupla.
O tempo passava de forma lenta e instigante, enquanto a estrada antiga e sinuosa era percorrida com cuidado e fantasia.
Numa das curvas, fechada e rodeada por uma mata densa, existia uma bica, uma fonte onde diziam ser a morada de duendes.
Lembrava de ter parado ali diversas vezes para beber água límpida e fresca, e jamais os vira.
Mas, quando o carro partia, em hipótese alguma ele olhava para trás.
Última parada na cidadezinha de Passa Três, na padaria onde parava também o ônibus da EVAL, o Rio-Angra que foi aos poucos desativado com o surgimento da Rio-Santos.
Houve uma viagem em que, chegando à Fazenda pela Estrada do 107, com os carros patinando por conta de um grande temporal, um raio caiu a poucos metros de onde o carro atolara, no para-raios da Igrejinha logo à sua esquerda.
Não foram os raios sucessivos que destruíram a bela construção centenária
.
Essa natureza, aos homens pertence.
As horas passaram,
voando com o pensamento,
o sono,
os sonhos,
as lembranças,
que se interromperam bruscamente como se um capítulo narrado fosse dar lugar a outro, em outra página, em outras águas.
Já se fora o dia, e o temporal.
A chuva não viera para ficar, mas para refrescar seus guardados.
A lua lhe pede outros contos, outras prosas.
Mas não por ora.
Lá fora tudo é tão bonito.
E ora, direis,
Ouvir Estrelas