Flecha não acerta água, afunda nela

Preciso me posicionar. Não posso mais adiar o baile de mãe que preciso te dar. Tu, que também és filho dela, caçador de uma única flecha, que, no momento que atira, acerta todos os alvos de uma vez só. A mira não estava em mim, mas também me afetou. E, subitamente, entendi o que nossa mãe espera de mim: te derrubar para te educar. Quando o foco está no umbigo, o tombo é garantido. Mas a perspectiva do chão há de te apontar o caminho para curar e quebrar o ciclo de abusos em ti. Chega de machucar tantas que te enxergam e querem te ajudar. Mas você não faz o seu trabalho, não abre mão do seu harém imaginário e continua a manipular as vítimas.

Eu, como elas, também te vi, senti e me permiti, por um instante, fantasiar. Por muito pouco não me iludi. Só não me deixei seduzir porque reconheci o golpe no ar. Minha intuição urrou. Te enxerguei por completo, com toda luz e também com a sombra que você esconde até de si mesmo. Nosso encontro sempre foi mágico e quando a conexão acontecia, você nunca entendia como, pouco a pouco, eu te envolvia no meu banho maria. Assim que percebia, o risco sabia que corria e se punha a se afastar.

Entre idas e vindas, de tentativas infrutíferas de me dominar, eu mantinha a água quentinha a te cozinhar. Por todos os cantos você tentou me cercar. Sou água, nada é capaz de me barrar, principalmente quando a luz da verdade está a me iluminar. Joguei teu jogo, olhando de cima do tabuleiro. Achava mesmo que mãe d'água não sabe lidar com arqueiro? Teu manual eu já li por inteiro e te usei para me recuperar de um buraco antigo no peito, atravessado por outro caçador. Agora, preenchido de autoamor, aproveito as informações privilegiadas que você mesmo me entregou e te mostro o que uma mulher estrategista e empoderada é capaz de fazer segurando um espelho na mão.

Você mesmo conduziu tua queda, passo a passo. Eu só vou te ajudar a entrar no buraco e te enterrar num casulo fértil, capaz de te soterrar ou te transformar, se tu souberes usar a inteligência a favor do bem, não apenas do seu, mas de todas nós. Aprenderá a lição que tua mãe quer ensinar e renascerá munido do teu propósito, da masculinidade tóxica se recuperar. Água nutre, banha e acalenta. Também é capaz de afogar. A dona do Rio pode ser branda, mas a ferocidade de sua correnteza facilmente a morte te conduzirá se não acordar para ser filho dela, o sagrado feminino tem que honrar e não dele abusar. Feitiço também vira contra o feiticeiro, ainda que seja filho de Yabá. Serei o instrumento de nossa mãe para que você obtenha a maior lição da tua vida. Eu não estou aqui para brincar. Você nunca mais me esquecerá sem nunca ter tido a oportunidade de me tocar. Eu não repito padrão e é em você que o ciclo da violência se encerrará.

Rafaela Andrade
Enviado por Rafaela Andrade em 30/12/2023
Reeditado em 10/03/2024
Código do texto: T7964939
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