SER NINHO PARA PODER SER PÁSSARO

Biluca e Dodoca

(Uma história de filhos e filhas)

A vida é uma correnteza.

É tempo de falar do protagonismo feminino, das mulheres que tomam para si um espaço antes relegado aos homens.

Tinha noites nas quais Biluca, mulher forte e determinada, sempre doce mesmo quando combalida pela lide diária, trancava-se no quarto levando consigo aquilo que só poderia ser vivido a dois.

Dodoca, quarto ao lado, em silêncio ou prece, aos poucos ia assim, no dia a dia, compreendendo a convivência do amor entre quatro paredes (e uma porta).

Mesmo quando a porta se fechava fazendo coro a pesados semblantes, se abria pela manhã com sorrisos de orelha a orelha.

Dodoca, o Capitão Orelha, talvez por estes fatos as tinha um pouco grandes.

Para tentar escutar, mas principalmente para ouvir histórias de amor, de gratidão, de perdão, e dar limites largos aos sorrisos que fluíam da alma de Biluca.

Há muito para Dodoca contar de Biluca.

Fica para outra hora porque, enquanto escreve, Dodoca vai sentindo refluir do seu canto de guardados os momentos de despedida de Biluca.

Mas, como diz o bom poeta, “depois da chuva passada céu azul se apresentou”.

E o azul do céu veio em forma feminina, primeiro revelando a Dodoca o quanto de Biluca havia dentro dele, quem sabe dentro de todos os eles, mesmo daqueles que, com violência incompreensível, a renegam

Dodoca vive assim.

Uma alma de mulher em corpo e alma masculinos, um sorriso doce que silencia o ranger dos dentes, uma compreensão almejada para tudo que a vida lhe traz.

Uma imensa satisfação em ser ninho para poder ser pássaro, a sabedoria para fechar e abrir as portas.

E, se em primeiro veio a revelação da imortalidade de Biluca, o tempo se encarregou de trazer a Dodoca a prole desta realização, em espelhos femininos do corpo e da alma.

Afinal, “o barro ficou marcado por onde a boiada passou”