Transcendência
Nunca entendi de onde veio a inspiração literária que me acomete. Volto às mais tenras reminiscências de vida, em busca de uma pista sobre o fascínio da escrita e sempre concluo que me é inerente escrever um sem-fim de pensamentos e poesias. Já nasci com as manias de quem se debateu para não se entregar ao mundo. Mas a vida me quis e me sufocou até que eu pudesse sentir a maravilha da primeira palavra aprendida. Há um enrosco imemorial na vida que nasce, mas que não subsiste em lembrança alguma. Deve existir um motivo para não nos lembrarmos da gênese de nossa presença, o mesmo para a morte, que cessa a existência e com ela, todas as memórias. Lembrar é o cerne da vida e somente dela, porque a memória é a fonte inesgotável de criação e arte que tem a vida como matéria-prima e suprassumo. O dom da escrita é o exercício de um descontentamento, de uma insuficiência diante do óbvio e do habitual, uma teimosia autêntica que se manifesta das formas mais belas. Escrevo para que eu possa alcançar dimensões maiores das que suponho ter. Escrevo em busca de uma elevação espiritual pela palavra e pela potência literária que arde em meu interior. Somente quando escrevo, vivo. Porque escrever me retira de uma apatia e me permite dar vazão aos pensamentos que tanto querem uma expressão. Posso sentir Deus falando por minhas palavras, é desta forma que me conecto com o divino, porque escrever é o que há de mais sagrado em mim. Se queres me conhecer, leia-me, há muitos mais indícios sobre a minha essência aqui do que eu poderia lhe mostrar em toda uma vida. Sou de meta-escritas de uma metafísica própria, de razão existencial e de sensbilidade sublime. É pela via da escrita que enobreço o que há de mais altivo, e a tenho como um dom a ser constantemente lapidado. Minha religião é literária, todos os anjos são personagens e o simbolismo predomina. Só tenho fanatismos pela minha poesia, da qual indiscutivelmente não abro mão. Batizei-me em oceano de letras e casei com os mais clássicos contos de amor. Mas em minha morte não espero palavras bonitas na lápide, a mortalha já costurei no arrebol da vida. Isto porque não preciso de uma morte física para sentir-me sem ímpeto. Quando não escrevo, estou morta. E entre uma escrita e outra, permaneço em latência. Reavivo-me quando exercito o prazer literário. Escrevo como se o amanhã não existisse e porque não sei como o amanhã será, escrevendo eu o invento. A minha inspiração tem pitadas de nostalgia, quando revisito o passado à procura dos sentimentos que tive e que renderão boas horas de enlevo monástico e de afinco do intelecto diante das paixões em reza.