Lagoa da Conceição
Lá de cima do morro já me encanta a formosura da lagoa, cercada pelas dunas e por praias resplandecentes. Lagoa não é mar, mas seu poder está na calma superfície que nos deixa intrigados sobre as profundezas místicas de um conjunto de água extenso que sabe se fazer intenso. Sua vibração energiza o que se encontra à beira e se estende para quem se deixou contemplá-la. Mas não é preciso ver para saber que se está na Lagoa, a sua brisa é inconfundível. Conceição me desperta pela manhã, me faz feliz à tarde, me inspira ao anoitecer e me extasia de madrugada. Suas águas parecem não ter fim, cabem nelas alguns dos mistérios que somente os oceanos resguardam, porque ela é feita da mesma matéria, acrescida de serenidade e constância. Lagoa às vezes parece uma piscina, de tão límpida ao refletir a luz do sol. Lagoa parece às vezes morada dos deuses, banhada pela luz da lua.
Doce lagoa, de doce água que ainda não se salgou. De dia, com ela sonho acordado. De noite, deixo-me estar sob o seu manto de escura calmaria, no aguardo dos navegantes e pescadores que dela sobrevivem. Ninguém que a tenha visto pode imaginar o mesmo cenário sem a Lagoa, ela é por si só sem que ninguém a busque. Lagoa é o autêntico presente natural que nos foi dado pela ilha da magia para tecer nossas mitologias e viver o passar dos dias, a lagoa não é sinônimo de mar, porque diante dela só nos cabe amar.
Enfeitiçada pelos matizes alaranjados de um céu que já punha o seu sol para além dos montes que caem sobre a lagoa da Conceição, senti meus olhos lacrimejando diante da dimensão de água que me emocionou naquele cair da noite. A Lagoa também é tênue, sem saber ao certo se prefere a agitação do dia ensolarado e do mar imenso, ou então a tranquilidade da hora do descanso e da mansidão. Eu jamais poderia me cansar dos eflúvios que a sedutora Conceição me desperta, ante o dia que se esvai e o luar depositado de expectativas no espelho da branda luz em suas águas. Nesse dia, retornando de meu passeio vespertino por sua orla primorosa, o pensamento sensível me arrebatou no meio do caminho. Eu então parei e sentei-me em um banco de frente para aquela lagoa, que ao vislumbrar, sempre perco o meu fôlego, como se fosse a primeira vez de um enlevo eterno, de um som marcante e de uma paisagem familiar cuja beleza estonteia a vista.
A bela paisagem me propunha uma retrospectiva da vida que vivi antes de me deparar com Conceição, que dividiu as águas de meu ser e de minha história. Sinto paixão, amor, volúpia e magia. Não me perpassam muitas certezas enquanto a admiro, porque só me cabe a perplexidade de uma verdade difusa. Eu olho para o lado e vejo uma árvore tão próxima da água que se estivesse alguns palmos adiante, poderia se associar como um mangue na Lagoa. Em uma praia paradisíaca, eu veria a secura e o calor da areia, em uma nítida definição de onde o mar começa e a praia termina. Na lagoa não me assombram tais certezas, porque toda a paisagem pode ser uma só, sem os fragmentos do que é ou do que não é a lagoa. A lagoa é tudo!
Olho para trás de mim, vejo uma rua estreita e uma duna cujo topo abriga um casal de jovens namorados sentados sob a areia, não admiravam a lagoa, mas sim a outra metade dela: o céu. Esperavam com a ânsia juvenil a aparição mais esperada nos instantes do porvir: o surgimento de uma majestosa lua no horizonte. Olhavam fixamente para o céu com um espanto singular, enquanto eu me deixava embalar pelas mandingas de uma lagoa de lua tardia. Veja só, ela se faz de difícil somente para impressionar ainda mais no ritual de suas noites tão próprias.
Sentada de frente para a Lagoa, tento me reconhecer como um sujeito que pensa, mas que também é capaz de sentir. Toda essa grandeza me assusta, me faz perder o chão em busca de suas águas. Eu que adoro ler, sempre me distraio quando levo um livro como acompanhante por meus passeios pela lagoa, porque a cena que se abre em minha frente rouba toda a minha atenção. E sem hesitar, passo longo tempo raptada pela graciosa Conceição. Lagoa é intransponível e não há outro pedaço de água que possa substituí-la, é única para quem tece as rendas de seu folclore, e é valiosa como testemunha de muitos acontecimentos ímpares da existência humana, ela é uma boa amiga que se afoga nos segredos a ela confiados, sem jamais confessá-los em ardência. Lagoa é vida interior e paz de espírito.
Retorno para onde vim, sem o desejo de assim o fazer, porque continuo imóvel em meu interior depois de sua presença que me acalenta e me revigora a um só tempo, minha alma lá permanece. Não há tempo mensurável quando o olhar é fisgado por Conceição, porque se o tempo não para, ele ao menos não é o mesmo, os ares já não são os mesmos, nem a vida pode ser a mesma. Porque nós já não somos os mesmos, nem a lagoa será. Parafraseando Heráclito de Éfeso: “Ninguém pode admirar duas vezes a mesma lagoa, pois quando nela se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.”