O sonho do amor verdadeiro
Era o êxtase de sempre e a sensação de que nada poderia me destruir. Era aquela vontade de não sair mais de perto, de não me despedir, de abraçar, beijar e continuamente permanecer por perto. Mas, desde a epigênese do sonho, nas suas multifacetadas criações de uma noite mal dormida, a sinfonia do adeus tocava desafinada em cada olhar e palavra proferida.
Havia uma casa escura, entidades tão profanas que nem a alta cúpula da Igreja Católica poderia compreender, conhecer ou sequer combater. Não havia inferno que pudesse conter tamanha maldade, crueldade. Era o escrutínio da desesperança.
Apesar de todo o mal que nos cercava, teu adeus foi o mais maldoso. Após tocar a minha pele, após beijar meu peito amargo, anunciou sua ida para os braços de um outro alguém. Não há nada que possa ser feito diante da morte dos ciclos, dos processos, das derrotas. Porém, e havia um porém, eu também estava de partida seguindo um caminho que há tempos desenhava. Teu adeus me preencheu de tristeza. Meu adeus te nauseou de raiva. E mesmo que eu dissesse que não era possível ficar, mesmo assim era culpado. Mesmo que eu dissesse que não poderia suportar ficar por perto, havia um grito egoísta por uma permanência descontente, desolada, de uma derrota predita há muitos anos.
Cada segundo foi eterno e na beira do precipício contemplei a verdade. Há amores que jamais serão sinceros, sentimentos que sempre serão velados em honra ao ego que se satisfaz com as mentiras que nós mesmos criamos.
Diante da espurcícia do nosso afago, diante das nossas degradantes certezas, o amor foi confirmado como a morte da beleza. Querendo subir, descemos. Querendo parar, seguimos. Querendo amar, nos escondemos. E mesmo que fosse possível nosso amor, mesmo que a vontade superasse todos os traumas, mesmo que soubesses o que fazer com nosso peito, ainda assim seríamos os assassinos de nós mesmos torturando cada pedaço da nossa carne, saturando cada gota do nosso espírito. Mesmo que soubéssemos amar, ainda assim nos destruiríamos porque não há força que transcenda o nosso escárnio e nem verdade que vença nossa dor.
A casa, nossa casa, que ainda está de pé, embora amaldiçoada, é guardada por uma velha crença de que tudo poderia ser diferente. Para além da sombra da certeza e para longe desse sonho maldito, apesar da morte da esperança e da queda livre no abismo, ainda cintila no meu coração sulfuroso a brasa crepitante de um desejo absurdo. Meu amor, que fenecerá no bendito dia de minha morte, até meu último suspiro e grito de consciência pulsará enganado pela ilusão maldita de que nunca teremos de fato o nosso adeus.
-Baseado num sonho triste, maldito e sem cor-