Não-existência

Que prazer sinto na possibilidade da não-existência. Não tem a ver com morrer, é o simples não-existir. Sem memórias, sem sentimentos, sem dores, nem amores, nem sabores, nem a lasciva mania do viver.

A não-existência traria a dádiva de não sofrer aos domingos, de não chorar escondido nos abismos incautos do meu eu mais profundo. E até que me dizem, os esperançosos e apegados às migalhas do conforto, que a vida tem belezas e momentos lindos que fazem tudo valer a pena. Sinto que a felicidade é sempre tão passageira, mas a tristeza é sempre crescente como um silencioso fantasma que se acostuma a sugar a vítima lentamente, com calma, com sagacidade e transforma-se no mais cruel dos encostos.

A minha não-existência evitaria traumas e textos tristes como este. É uma grandiosa amargura a impossibilidade da minha inexistência, uma vez que já existo e me espalhei no coração e mente de tantas pessoas. Quem sabe daqui a umas centenas de anos eu não seja agraciado e finalmente presenteado com a não-existência que hoje, imerso em tédio, tanto falo.