JORNADA DIÁRIA
E um novo dia se levanta
O sol nasce por detrás dos prédios
E abaixo da minha janela uma mulher espera
O próximo ônibus que a levará
Para mais um dia de serviço.
Tenho meu café comigo e só
E só
Desço as escadas do pequeno prédio e estou na rua
Comerciantes erguem as portas de suas lojas
Um menino carregando um saco de pães na bicicleta
passa como um vento ao meu lado na calçada
Onde vamos parar, meu Deus.
E duas senhoras conversam do lado de fora da quitanda
E a vida segue como todos os outros dias
Para todos e para tudo
O ônibus passa lotado muita gente
Muitos corpos, muitas faces
Coloco minhas mãos nos bolsos da calça
Ando, cabeça pendendo para a frente.
Boina bem colocada no alto
E saio mais uma vez
À procura de um emprego
que me faça sentir homem
Que me faça sentir honrado
E que sustente os vícios da vida
Que são muitos, não são poucos
A solidão é uma delas
Preso em meu apartamento
Trancado, não saio senão por obrigação
Do desconforto e da raiva
Da ansiedade
Que pede p'ra beber
Que pede p'ra fumar
Tivesse eu nascido em outra circunstância
Não, não me vejo diferente
Talvez pior, mergulhado em outro lodo
Putrefato
Humilhado entro nos prédios
Muito velho, sem estudo
Não precisamos
Volte outro dia
Você não recebe benefício?
E se recebesse estaria aqui?
Não fiz nada da vida,
Mas também fiz um pouco de tudo
Fui carteiro por pouco tempo
Ajudante de serralheiro na juventude
Trabalhei de porteiro em um pequeno hotel
E carregador de móveis há muitos anos.
Perdi tudo, perdi amigos, perdi família
Perdi a dignidade
Vício, maldito vício
Que me tira o tempo
Que me tira a exatidão
E a noção de dever a cumprir
Vou em busca de outros rumos
De outras vidas, de outras portas
Mas antes paro num bar
Que o pouco que me resta
Ainda dá pr'um gole.