Casas mortas, lares feridos

Casas mortas, lares feridos

Valéria Gurgel – 17/01/2022

Hoje eu sei, casas morrem

Entre destroços perdidos

Lembranças viram pó.

Tristes esses ares

Feridos esses lares

Úmido grito ecoa rouco.

Sopram vapores de sonhos

Em nostalgias tão vãs

Das paredes tortas e úmidas

Emudecem o sentimento só.

Hoje eu sei, as casas morrem

Lares se ferem, se rompem

Objetos também pedem socorro

Pela identidade de uma vida breve

Que ali um dia viveu.

Colam resquícios de passado

Fragmentos de histórias

A saudade atola em lamaçal.

Barro e dor ressecam lágrimas

Viram tijolos de poeiras e saudade

Sussurros cantam ao vento

E depois se calam para sempre.

Arrancadas de suas ruas

As donzelas de pés no chão

E as janelas pintadas de azul

Retratam o cenário mórbido

Emblemático de seus tormentos.

Das varandas sem namoradeiras

Das árvores frutíferas sem folhas

E de suas quaresmeiras sem cor

Dos ribeirões sem as lavadeiras

Em corredeiras das paixões

Que a enxurrada carregou.

Redemoinhos levam bichos,

Levam gente, levam tantos inocentes

Levam o teto dos parentes

A ilusão, a emoção das mentes.

Rio abaixo, rio acima,

Rio claro, rio escuro

Rios de janeiro, o mês inteiro

As águas que não foram de março

Nem fecharam o nosso verão

Que o ano não compreendeu.

O morro cedeu, esmoreceu a fortaleza

Das montanhas de nossa terra

As águas não pedem passagem

Para navegar pelo curso do rio

Outrora morto, um lixo seco

Onde a incoerência encarcerou.

Gota por gota chuva irriga

Ergue ele sobre a ponte

Nobre e potente, o valente

Agora o curso é todo seu.

O número do portão da casa nele boia

Morto, sem destino, sem rumo certo

Retrata a vida de Minas remendada

Na colcha de retalhos que vovó bordou.

Trapos coloridos de certezas se rompem

Descosturam e desfazem os nós

Por morros abaixo morre a vida

Vidas desnudas se abraçam.

Solidariedade se veste de púrpura

Laços de afetos decoram corações

Entre o desleixo e o ponto cruz

Se fez encruzilhada na estrada

Ali sepultaram as casas mortas

E seus lares feridos.

Valéria Cristina Gurgel
Enviado por Valéria Cristina Gurgel em 17/01/2022
Reeditado em 30/03/2023
Código do texto: T7431621
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.