Maktúbia

O tecido de sua alma se remendava na pureza filtrante de uma transcendência oriental, enevoando em mística, o rasgo de seu pensamento cujo foco se preenchia de uma clareza sufi. Aquela vida não pertencia tanto a si própria quanto a minha ou a sua, os embalos do amanhã se confundiam com a contemplação que lhe era espontânea e na qual cabiam todos os recantos do mundo, como a melodia escaldante de uma flauta naquela hora pesada da tarde em que os sonhos despontam. Os enigmas já não suportam as sombras do irrevelado que carregam, caíram por terra, feito a cáfila sedenta por vida. Mas o mistério resiste, compenetrado e sutil tal qual seu potencial raro de resolução. Assim era, vestida de existências enquanto os silêncios em orquestra lhe conduziam rumo à valsa de areia no salão breve e infinito de quem personifica o deserto, e em seus olhos d’água se criaram oásis fugidios em miragens de esperança agreste. Funcionava em ciclos, rodopiando primaveras e esquecendo outonos, vivendo intensamente os verões e se refugiando dos invernos naquela amplidão de lar que lhe era inerente. Nada se comparava, porém, com as belezas arrancadas das noites, no desfruto natural que as estrelas em procissão ofereciam, com solene encanto de outros brilhos e olhares. Naquele momento, tudo se fundia e todas as grandes perguntas da vida humana eram respondidas pelo esplendor simples do universo, com uma harmonia ingênua e celestial de companhia e satisfação nas verdades. Para ela, as estrelas eram guardiãs de toda a sabedoria, testemunhas dos povos, das barbáries, dos segredos e das paixões, sabiam tudo, aconselhavam poucos, emanavam a tranquilidade de protetoras que sempre estarão lá, mesmo após sua morte. Basta curvar-se aos céu, e lá estariam na imponência de quem enxerga o fascínio de longe, com o ar de natural superioridade e tempo que o cosmos exala. Para Maktúbia, não era difícil ler as estrelas, muito menos entender sua linguagem, pois a comunicação era simbólica, a mesma usada para se compreender a vida. Nelas, se inscrevem todas as respostas, em uma narrativa escrita da história de tudo e de todos, elas compreendem o amanhã, uma vez que são perspicazes no hoje, já está tudo traçado, decidido, não há fugas, apenas viagens para dentro de si. O que está para ser, será, tão certo e inigualável quanto os fagulhos sonoros do rebab ao fundo de um indecifrável devaneio errante. Não existem tantas explicações, apenas encerra-se na conformação e no limite do poder de condução das rédeas. Elevado, o destino bem sabe todo o vir a ser, confiscando em si os esquecimentos recentes daquilo que um dia ainda era memória futura em potencial. Desatinado, ele pouco sabe sobre desvarios da solidão, esculpindo em si o artifício de conter o porvir que a aurora inaugura no semblante da juventude, em um dia sem fim, inadiável, imprevisível e predestinado.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 19/09/2021
Reeditado em 20/09/2021
Código do texto: T7345987
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