Perder de vista
Esbanjava liberdade naquele passo calmo em que pisava o solo de seu mundo, cantando alegre, colina afora, sem olhar para tudo aquilo que deixou atrás de si. Assim se fazia, o céu testemunhava os rodopios de sua alma vibrante e o sol animava a eternidade à sua volta. Era distante, muito longínqua essa forma de viver, alheio de si, entregando-se aos ares, aos elementos, e às maravilhas que deles vieram, não existia outra dimensão, subterrânea em seu ser além daquela concreta que se assemelhava tanto com o exterior comum. Porém não o era, incorporava-se ao dia vivido, em uma fusão simétrica com a natureza, que se tornava ainda mais exuberante depois de conhecer a singularidade remota daquele que abriu mão de si.
Os dissabores do mundo eram também os seus dissabores. Quisera o destino dos homens ter nascido assim, tal qual a água que se funde à terra e forma a lama, na ausência de uma fronteira certa e triste entre as brumas do sonho, e a solidez da realidade. Não foi preciso caminhar por longas milhas nesse ritmo, sem que logo surgissem os perigos da indefinição de uma existência bruta. Não se fala mais em além, posto que o que importa é a camada que não tem pressa de atingir a casca que a separa da seguinte, descoberta e crua. Circunscrita, a vida lá fora pode ser outra, ao invés de ser parte. Trazido pelo vento que sopra de onde vim, o ser genuíno esbarra em sua cópia que hoje o mundo lá fora já reflete com a maestria de um espelho severo.
Amputado o membro, a dor deixada nessa paisagem verde é a mesma de quem perdeu uma parte inconfundível do todo formado entre tantos outros fragmentos, por aquele bendito. Mas a lástima verdadeira, é ser expulso dos campos que o interior abriga, uma vez aberta a passagem daquela vereda estreita que desemboca em uma planície geral, distante, tão distante de qualquer fardo de depressão ou de qualquer esforço de altura geral. Corre, corre e voa, o limite não é muito arbitrário, é fácil perder o mundo, é ainda mais fácil se perder no mundo, até o incognoscível recanto para onde tudo se esvai, onde a vista não alcança, mas nada se compara com o se perder para ele, na fenda infinita se perder de vista, desencontrado e aéreo.