Para quem os velhos falam?
Hoje, ao tirar dedos de prosa, tagarelar tendo o que dizer; os saudosos contam histórias de quintais, de fantasmas e mulas sem cabeça, do cantarolar de galos na madrugada, do repicar dos sinos na hora do ângelus, lembram do bater da porteira, do latido dos cães, da ninhada de pintos aprendendo esgaravatar insetos. Falantes, os saudosos têm o que falar.
Recordam da carne defumando, pendurada no jirau; do doce de leite mexido lentamente no tacho de cobre, do crepitar da lenha no fogão, da água borbulhante na chaleira; do dia que a séria e comprometida professora foi à casa do aluno, para reclamar do mau comportamento do fulano em sala de aula;
Dos uivos do lobo guará cortando as serras em noites de lua cheia; das rodas de cadeiras de idosos, jovens, filhos, pais e vizinhos postas nas frentes das casas ao entardecer; das cantigas chorosas das águas que descem das ribanceiras, do tiziu pula-pula que caiu do galho, do esgabilado Joza que queimou o bigode com a sopa fervendo; da estória dos 3 Porquinhos contada pela professora do jardim da infância; do cheiro de café passado no coador de flanela, da carne de porco de muitos meses em conserva na lata. Falantes, os saudosos têm o que falar.
Contam orgulhosos o caso do gago que atirava pedras, quando chamado de doido pela molecada; do vestido florido de chita que vestiu todas as irmãs, do monjolo que ainda tritura os bagos de milho, da marcha do tropel de muares levando mercadorias para barganhar nas feiras; do castigo que era torrar café em ambiente fechado, do buscar cana, do feixe mal amarrado que demarcou a trilha com gravetos; do ronco da moenda para esbagaçar a cana; da vaca que amamentava a cobra, pensando que era Bilu, o filhote dela; da garapa docinha, da farta comedoria nas casas dos festeiros que recebiam os caminheiros na folia de reis; da porcadinha mamando nas tetas da porca Lola;
Das brincadeiras de roda e de passar o anel, da carga de rapadura entregue na venda do Seo Saruê, do carrinho de rolimã sem freio; do bater feijão no terreiro, da vaca Malhada, mãe do brincalhão bezerro Pimpão, de bobagens e tal! Falantes, os saudosos têm o que falar.
Amanhã, ou depois de amanhã, ou daqui uma década, quando sobrar um tempinho, o quê a geração fast-food, também conhecida como Nissin Miojo Lamen, - 5 min em fogo brando e rapidinho, está pronta para ser servida - terá para contar?
Com a resposta, o baiano de Crenhenhém, que para chegar, levou 20 h de mula e 5 h de trem, Raul maluco beleza Seixas:
- aqui tá tudo pronto, inclusive a Covid, é só vir pegar.
A vida é um mosaico indecifrável; e cada ser, têm seus direitos e motivos assegurados pela racionalidade e livre arbítrio, para pedir a Deus ou o diabo, para auxilia-lo na montagem de seu acervo particular.