Divina Unicidade

Não tenho um amigo de fundo de cozinha,

Não, não tenho!

Em compensação,

Tenho um casebre coberto com sapé,

Com um quarto e uma cama,

Colchão de palha,

Deito e durmo,

Sonhos não falham.

Uma saleta/cozinha,

Onde toco viola e canto a canção,

Vida, além de vida bela,

É mais querer,

Nobre tolice,

Doce ilusão.

Tenho um fogão à lenha que aquece o coração,

Um jirau com uma nesga de carne defumando,

Uma vaca, um galo e uma galinha que me abastecem de proteínas,

Um vigoroso e dócil cavalo alazão escovado,

Um par de botinas para proteger meus passos,

Um cão de focinho largo e pelagem macia,

Um tacho de cobre para virar os doces,

Panelas de barro que cozinham as hortaliças e os grãos,

Um prato, uma faca, uma colher e um garfo,

Uma cadeira embaixo da mesa / balcão.

Não tenho um, apenas um amigo de fundo cozinha;

Não, não tenho.

Em compensação,

Tenho um pomar com abundância de frutas,

Harmoniosos alaridos de pássaros,

Sinfonia dos ventos,

Chuá, chuá choroso de um riachinho,

Sol manso clorofilando de verde os arredores,

Um feliz papagaio que gargalha dos desafortunados que falam sem razão,

Jardins de flores para os polinizadores,

Às vezes uma lua vaga,

Nhambu e rouxinol que assoviam notas musicais: dó, ré, mi, bemol;

Um céu salpicado de estrelas em constelações,

O silêncio em forma de oração,

Paz e muita benção de Deus,

O meu único amigo e guardião!

P.S.: dispenso os artificialismos da cidade grande, o consumo supérfluo e o cinza da poluição cobrindo as nuvens brancas em céu azulado.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 18/07/2020
Reeditado em 19/07/2020
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