Título não encontrado
Nunca entendi a insistência humana em intitular tudo aquilo que existe no plano das ideias, no mundo dos seres e dos objetos, no alvorecer das sensações. Se fossem livres, tantas almas que costumeiramente restringimos a objetos de prazer e desprazer, jamais se limitariam a enforcar suas vastas essências em um conjunto organizado e resumido de palavras. Sentimos falta do significado que um dias os nomes arrancaram de todas as coisas, sei que não é tarefa fácil encontrar um terreno etimológico em que se possa reconstruir aquilo que demolimos pelo cansaço em preservar um motivo que nos orgulharia. A confusão abstrata nunca foi a mais linear e certeira do que aquela que é neste exato momento, nas entrelinhas da existência mergulhamos em um mundo livre de definições e de banalidades conceituais. Nesses breves refúgios que a vida proporciona, somos livres para sentir aquilo que se transformaria em outra coisa caso um nome lhe fosse dado, a raiva que sinto não é a mesma que você sente, o sentimento não pode ser o mesmo em universos tão diferentes com tantas peculiaridades e agonias. A raiva que guardas em seu peito seria encarada por um outro alguém por aquilo que ele chama de paixão e em um instante inundaria um peito de amor com a cólera de outrora. Nomear, rotular e classificar nos apequena diante da abundância da imensidão inalcançável que existe, a beleza reside no claustro do silêncio, onde a perfeição não pode ser dita, apenas vislumbrada. É imprescindível ter títulos para intitular? Quem nomeia é somente aquele que tem autoridade perante o mundo? Mas qual mundo se submeteria a uma avaliação meticulosa de um ente imaginativo que é só mais um elemento entre tantos outros? Toda espécie de revelação me desencanta, gosto de sentir o dócil sopro do mistério em meu ouvido, ler; ouvir; sentir. tocar o mais completo desconhecido, como um ser que de repente ganha vida, como uma confissão inesperada. Apesar de tudo, ainda temos uma pequena sorte errante… o coração não se vende às palavras, ele apalpa os gestos e bate em ritmo de desvendo, sedento por um sentido maior do que aquele atribuído pelo homem que o tem, e compassado com seu ânimo inato de ainda não saber o nome daquilo que o apunhala.