O beijo da morte

A morte chegou comigo e disse:

Meu amigo, tu te enganas facilmente achando que estás sozinho. Se pudesses ver o que vejo saberia melhor do que digo. Pensas que é só um, quando na verdade és o todo. O amor do outro é o mesmo que o teu. Tudo que emanas volta a ti. Tudo que absorves um dia já saiu do teu dentro.

O universo é infinito na sua limitada vida de ilimitadas possibilidades. Você, meu grande amigo, é exatamente tudo aquilo que pensa e faz. Não se pode fugir do que criamos e não podemos criar aquilo que não imaginamos. A realidade humana depende de sua imaginação. E reflita se tudo não é puramente imaginativo.

Os seres humanos criam e recriam conceitos. Abraçam e destroem ideias. Lutam contra suas próprias vontades e no fim são levados por mim ao lugar que lhes convém. Tu, Gabriel, por outro lado, estivestes sempre questionando tudo que fosse possível. Tu me trazes grandes dúvidas, pois não sei para onde te levar.

O inferno é mental. Tu tens feito da tua mente teu inferno particular. Como poderia eu te jogar no sofrimento, se o sofrimento que tu te causas é bem maior? Poderia te levar ao paraíso, mas ficarias ocioso naquele eterno vazio. Poderia te dar a imortalidade, mas ser um deus não lhe convém sempre. Então, como estou sem ideias leve consigo o meu Beijo.

O meu Beijo para que tu não te esqueças que existo, para que não esqueças que tudo tem um fim. O meu Beijo para entender a impermanência e que a passagem pela existência tem hora marcada. Porém, não te entregues ao niilismo. A morte dá a vida o sabor de um fruto proibido. Você não sabe a inveja que os deuses tem dos humanos. Morrer é uma dádiva, viver um privilégio. Aproveite sua vida restante. Na próxima vez que eu vier beijar seus lábios, será para te levar comigo. Talvez, se te tornares um grande sábio, eu lhe transforme no braço direito da Morte.

Eu sorri e disse: Morte, tu és a sorte que me contempla. Sem ti estaria sem norte e não seria tão forte a ponto de sobreviver ao corte que a vida me dá. Teu Beijo me revelou as estrelas, os átomos e o infinito. Nos teus lábios vi um céu bonito e digo e repito: não há mais nada a temer por aqui. Quero te ver sorrir quando o meu momento chegar e enquanto contemplo a vida me disponho a amar. Sentir cada Abraço e cada energia. Contemplar o espaço e os amigos com muita alegria. Fazer valer a pena cada momento e descompasso. Ter o coração de pedra, de carne e de aço. Prometo ser eterno na minha eterna pequenez e jamais ser vencido pela minha insensatez. Morte que me beijas, és da vida tão fiel. Tira de mim tamanho escarceu de olhar as estrelas e sentir o fel de pintar a vida com um velho pincel. De hoje em diante estarás em meu pensamento. Hoje te contemplo em meu renascimento. E que assim seja.

Gabriel Cordeiro Machado
Enviado por Gabriel Cordeiro Machado em 21/04/2020
Código do texto: T6924051
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