Tentativa epistolar
Invejo todos aqueles que fincam a âncora de suas alegrias e pesares em um bom ouvinte, pois nada tenho a lhe contar se tentar entender tudo o que penso, busco a fuga em meus pensamentos ao me questionar o motivo de ninguém ter restado e prefiro concluir comigo que a razão é o quarto caótico dentro de mim, abominado pelos rasos, porém não raros desventurados. Não sobrou ninguém, o que sobrou foi apenas a necessidade de escrever que me mantém viva e desperta para os murmúrios que tenho em mim, se as palavras esparsas, os sentimentos desconexos e as frases dançantes foram paridas aqui e agora, nenhum outro lugar as têm. Anseio por um abraço anônimo que envolva todo meu ser e suavize o peso que trago nos ombros já curvados, não busco nada além de alguém que se lance em meus poços escuros e barulhentos para admirar a beleza contida neles ao invés de silenciá-los com palavras vazias e ideias quietas. O que almejo é um destinatário que não pertença ao meu recém-chegado e inquieto destino, mas que vá embora antes de chegar, que seja o brilho do instável no raiar de uma vida matutina, um sopro visível que desmanche o sereno ignóbil de uma sombra noturna.