Saudades de mim
Em que canto me escondi que já não me encontro em voz alguma? O mundo cisma em me moldar, bloqueia minhas lentes. Com um tapa, consome a essência do meu ser. Me envolvo com gente de carne e ossos, caio nas armadilhas terrenas e imperfeitas como os humanos, mas é apenas quando estou no fundo do poço e olho para cima que percebo minha morada nas sombras de uma luz que até ontem me iluminava e me enchia de doces esperanças. A urgência em retornar ao meu eu é inédita, nunca antes saí de minha ilha e precisei voltar a essas terras, pois tinha a plena convicção de que jamais me abandonaria. Hoje vejo que não voltarei a ser quem eu era, pois nunca fui quem não indaguei por imaginar que já soubesse mais de mim do que qualquer outro. Sou estranha a mim mesma, a imagem que se forma no espelho quando me ponho na frente de um, não pertence a mim, e por ser quem hoje sou, desconhecida e alheia, o amanhã passeia como um forasteiro exótico. O sol nasce, mas o parto vem de mim, a fúria em renascer irrompe um casulo cíclico após uma metamorfose que se repete a cada despontar lunar. No útero escuro da noite, busco em vão me reencontrar, pois sei que em breve, me perderei de mim, não saberei mais na verdade quem eu sou. Voei como águia para além das montanhas e suspeito jamais encontrar o caminho de volta, o meu último apelo ao destino antes de partir para sempre: Devolva minha solidão, ela é meu latíbulo, nela eu sou livre, dela eu sinto falta.