Garrafas ao mar

Fim de tarde, vento, trovoada e chuva. Já tá virando rotina, parece Belém com chuva programada. Incomoda um pouco, mas alivia o calor. Gosto de olhar a chuva da janela. Já gostei muito de andar na chuva, de ir contra a correnteza na sarjeta, de brincar com lama. Hoje olho a chuva com a janela fechada e não vejo a rua e não há lama. A água escorre sinuosa pelo vidro e lembro o poema Neurastenia, de Florbela Espanca, que tem um verso dizendo que a chuva trança rendas na vidraça.

Chuva de verão chega de repente, cumpre a missão e retira-se ligeira, trovoadas distantes dizem “até amanhã”. Abro a janela e sinto a brisa que a chuva rápida não teve tempo de esfriar tanto quanto seria desejável. Gostaria de abrir outra janela que se fechou para mim, de olhar por esta janela, não de entrar por ela. Saber porque se fechou, se voltará a abrir...

Desejos impulsionam a vida, sem eles a gente morre. “Não sei as respostas da vida, se alegrias perenes ou dores tardias” (estes são meus). Bem, alegrias perenes não existem mesmo, mas as efêmeras podem ser suficientes, desde que não nos faltem por muito tempo. As dores estão aí pra nos dizer alguma coisa, não são obra do acaso. E a gente vai vivendo e desejando coisas, e conquistando o que merecer. É bom que seja assim. É bom ter esta compreensão.

Às vezes sinto-me como um náufrago numa ilha. Posso fazer qualquer coisa sem dar satisfações a ninguém. E arcar com as conseqüências, é claro. Em alguns momentos é bom estar só, em outros dói. Quando precisamos falar, queremos ter quem nos escute com atenção e nos diga umas palavras amigas ou, simplesmente, que nos olhe e estenda a mão. Quando uma mão amiga busca a nossa, nos afaga a alma. E um olhar carinhoso faz toda a diferença.

Desta ilha situada num lapso de tempo, roubado da vida, atiro mensagens em garrafas febris. Não espero respostas ou resgate, apenas escrevo para saber-me vivo. E é bom estar vivo apesar de tudo, pois há sempre a esperança de um momento de encanto ou do encontro improvável.