Noite
O tempo passou
Como quem mastiga as horas sem fome.
As palavras foram atiradas sobre o papel amarelecido.
Poucas memórias são felizes se o amor morre de fome.
Mesmo as felizes são travosas e amargas:
Víboras sob um cesto de flores...
Há tempos, ela não chorava mais,
uma vez até sorriu relembrando a promessa:
“Minha, agora e para sempre”.
Nunca mais releu os poemas
Trancafiou-os no porão da velha casa
Como quem isola o pestilente ferido.
A solidão rangia e se espalhava pelos quartos.
E, só para destacar a poeira do tempo
Adormecida sobre a mesa eternamente posta,
a luz por vezes entrava na casa.
As flores já não precisavam dela,
Feneceram numa primavera distante, para sempre.
Em verdade já não havia sofrimento,
Mas das entranhas da casa velha,
Com timbre rouco, um velho poema sussurrava, doce:
“Teu sorriso é luz no mundo”
Eles, os poemas, nunca se calaram de todo.
Jamais lhe concederam a paz dos esquecidos.
Era o primeiro retorno ao quarto de casal.
Na cama, o cetim teimava em brilho sob a poeira dos tempos.
Eles, os poemas, do porão agora gritavam dedicatórias:
“Para minha amada, cujos olhos sorriem”
- Vocês venceram. Eu faço...
Calmamente ela deitou, se permitiu chorar e
Observou o velho candelabro, ainda com as velas do dia derradeiro.
- Pelo menos você, voltará à vida nesta casa...
Consumindo dores e lembranças,
A velha casa ardeu pela madrugada adentro.
Nada restou do pequeno corpo
Exceto um milagre, em coração tatuado,
Sobre a omoplata esquerda:
“Tua. Eternamente Tua”...