GIRASSOL II

CRIANDO PONTES

Plantar uma árvore, essa ideia não lhe saía do pensamento, missão antes da morte, necessidade urgente daquilo que não foi feito, sinal positivo à eternidade; em despedida, pagamento de uma dívida qualquer, uma sina, um carma.

Ele suspeitava: o calor intenso crescia à medida em que os corações esfriavam; a fé transmutada, racionalizada, negava os invisíveis… Estava difícil. Até onde sua vista alcançava, só espinhos. O planeta persistia em emitir sinais, preso num terrível emaranhado de redes, que prendiam tudo, peixes, animais, plantas, e tudo aquilo que era humano na humanidade. Nada podia escapar à loucura dos corações obscuros e frios. A vida estava cansando, perdendo as forças. A dureza, dos homens- metais- insaciáveis, sangrava o pouco que ainda restava das lembranças do paraíso.

Girassol entendeu esta pequena lição: quando um homem se perde, seu instinto é destruir o máximo de belezas possível. Mas, a insistência das horas o obrigava a agir.

Eram seis da manhã, exato tempo de sair de casa, se lançar à nova vida, como quem navega ao desconhecido, sem cordas que o prenda, mas não sem antes refletir no que passou, para planejar o que virá, evitando ficar preso nos rodopios da História, entontecedores.

Uma questão se impôs: o que faria com a casa, certamente precisava ser reformada, mas como reformar algo que não mais utilizaria? E esta foi justamente a lição da árvore: ele entendeu que plantar também significa não esperar colheitas, não imediatamente, pois quando se semeia uma árvore, se planta para o futuro, e eis um mistério: é por meio de generosidades que hortas, pomares e florestas alimentam o mundo. Girassol compreendeu muitas outras coisas, sua mente começou a fazer pontes, pois entendeu que tudo é metáfora, e neste imbricado, se manifestam os níveis da realidade para quem ousa enxergar; pois o conhecimento está à vista de todos, uno e contínuo, onipresente.

Agora sua estrada parecia novamente ensolarada, outros maravilhosos acontecimentos seriam possíveis, a esperança despontava em seu coração, renascer a cada dia, em cada nova etapa, podendo ser sal e luz na terra, novamente e infinitamente, este deveria ser o seu percurso.

Porque pegadas são rastros, sinais de caminhada, provas de nossa existência. A casa teria seus consertos e seria cedida gratuitamente a outros andarilhos, esta marca ele iria deixar. E com este processo ebulindo em seu espírito, começou-se a obra, e o mundo girou melhor seu destino girassol.