A descida
A dor de “ser” perpassa a vontade do querer. A maldade dói, a saudade dói, a carne ganha outra vez. Tentado a sangrar por desertos nebulosos, a alma descansa em ombros vis, a mente repousa em almofadas ásperas e a carne continua a sufocar com suas doces promessas de prazer momentâneo.
Os pensamentos mais depravados me dominam e o desejo de saciar o corpo é, por vezes, mais forte que a de satisfazer o espírito. Mudado, transformado, corrompido. Egoísmo, luxúria, medo, ira, ódio, dor. O corpo não aguenta mais sangrar, o sangue escorre, a alma afunda, o peito pesa, a noite cai, os olhos choram, a boca seca, os músculos atrofiam: é a negação do desejo, mas a carne é mais forte e o odor da escuridão domina.
Ouvi o lunático na minha mente dizendo para eu brilhar. Fugi por milhões de espinhos, sangrei até a última noite, voei pelas quatro estações, tornei-me o estranho vagando dentro de mim mesmo. Não contente quis mais, queria ser o melhor, para o meu desespero entrei num bar e bebi com meu pior lado.
Confuso, estou confuso. O que é a realidade e o que me move? Em que mundo vivo? De onde vim? Se sou daqui porque não sinto que sou daqui? Porque as promessas vazias de prazer vulgar e a ambição por ser o melhor do mundo material me dominam? Desço à terra para lembrar que sou mortal. Dói descer porque sinto o fel misturado ao sangue no meu corpo. Lá de cima, só sinto a felicidade de ser meu eu. Aqui de baixo vejo quão insignificante posso ser já que me prendo à sentimentos tão vis.