GIRASSOL

A vida não passa em quadros, mas em um fluxo ligeiro. Enlouquecemos para nos livrar do jugo, do juízo; pegamos o vento e guardamos o pó. E tudo gira, e tudo roda, o enjoo é sempre uma possibilidade. Há pouco me passou uma porta, tentei firmá-la, mas também me escapou, nem portas ou janelas, apenas a certeza do giro do planeta e a tonteira; sou apenas um homem medíocre, atormentado por outros, também medíocres, e a todo instante sendo lembrado da mediocridade de cada dia.

Mas nem isso é fixo, um quadro que inventei para passar o tempo e a tonteira.

Corremos e não chegamos a lugar algum, porque não há lugar a se chegar, a não ser a aceitação do fluxo ligeiro, do giro, da tonteira, e da dor em tudo isso.

A coluna também doe, como se estivesse se entregando a algum plano previamente acertado de doença e sofrimento, o medo é constante, como a insegurança causada pela ida da juventude. Mesmo ainda sendo um homem novo, contudo, ser um novo homem trouxe suas consequências, as dores que se antecipam naqueles que insistem na sensibilidade, nos que persistem em se manter lúcidos para não entrar na loucura estatizada, aceita, normalizada e louvada. Tudo tem seu preço, mas incomoda a perda das forças.

Como a dos índios, quebrados em suas terras, lá na Serra do Teimoso, comprida como coluna deitada, cheia das dores dos que lutaram por suas vidas, suas terras e a possibilidade de ter o amanhã para seus filhos; contra a maldita ganância de brancos poderosos, famintos por crueldades, conformados em sua fé medonha, negando outros homens. Ainda deitado me espanto daquilo tudo, corpos imóveis faziam convite à reflexão: o que aconteceu? Mataram antes deles morrerem! Essa era a certeza no ar, à meia voz, de boca em boca, mas pouco se falou sobre isso. Quem diz ter Deus são os mais raivosos, às vezes melhor ser incrédulo, pensava. - quem pouco sofreu tormentas, atormenta. Eu era meio justiça, meio força, meio desespero.

Porque está sendo o que foi, saiu, mas mesmo assim ficou. Vida difícil, meio descartável, mas que permanece. A certeza caia: mundo ruim. Desde o início da vida já estava decretado o desfecho. Como minha coluna, castigada pelo que passei. O desejo é de ser livre, liberdade ou prisão; e eles tanto lutaram...Enfrentaram os riscos, foram eliminados pelas trevas, mas a dor pariu esperanças, certeza de que não vale a pena se entregar. foi assim… É daqui pra mais longe, sou também assim, girassol resistente.

Abro devagar a porta, como o olho que se abre para a luz, apesar da coluna fraca continuar a doer, ainda encontro motivos para rir; lá estava ele, o sol, meu companheiro, nascendo novamente, sempre presente nas roças, nas plantações que fiz, nos caminhos que tracei e cruzei, minha vida. O gigante que me promovia forças. Era mais um dia de se estar vivo, e eu, girassol tinhoso e teimoso, me abria para a experiência, certo de que venceria mais uma vez a ressaca.