Picolé de Jaca
Picolé de Jaca
Às vezes me aborreço
Com essa estória de ter que lançar sempre
Um olhar crítico, analítico,
Sobre cada coisa,
Cada aspecto da vida;
Como se tudo fosse escopo
De uma tese de doutorado.
Onde está a espontaneidade das palavras,
A simplicidade do olhar,
A frivolidade dos gestos?
Haverá lugar para a singeleza do pensamento?
Na mesa das artes, eu não quero comer toda hora
caviar, escargot, beber a todo momento o “Taste of Diamonds”.
No olimpo, será que os deuses quando em vez
Não sucumbem a uma feijoada,
Em detrimento da sua ambrosia?
Os literatos, intelectuais,
Até mesmo os “intelectóides”,
Se afastam das palavras e construções mais desfavorecidas,
Como o diabo que foge da cruz.
Mal sabem, que essas palavras ou construções
São a sua própria redenção;
O elo perdido para encontrar o refúgio das letras
No coração dos seus leitores.
Os círculos literários padecem
Da necessária “conversa fiada”,
Despretensiosa, ingênua, pura.
De literários, os círculos viram viciosos;
Pela tensa busca da rima perfeita,
Da prosa lapidar,
Do conto exemplar.
Isso me angustia.
Para alguém assim,
Desejaria ora dizer:
“Amigo, esqueça o Santo Graal,
O cálice; apenas cale-se;
E ouça o seu coração
E a sua alma. ”
Eles certamente
Dispensariam a macadâmia [nota 1]
Em troca de um bom e velho
Picolé de jaca.
[1] Nome comercial de uma espécie de noz também conhecida como “noz-da-queenslândia”, extraída de uma árvore originária da Austrália. De sabor adocicado, é utilizada no preparo de sorvetes, notadamente, os mais sofisticados.
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© Leonardo do Eirado Silva Gonçalves