FRAGMENTÁRIO

O navegante dos alfarrábios, numerário, ordinário, escreve inteiro o calendário e move movediço sem isso a palavra certa e exata não presta, não cola, não cala e transpira e aspira oscila a luz e o poema intermitente confunde os olhos e embaralha as coisas, mas o senão de tudo isso é o senão deste próprio texto labirinto de mim mesmo em que a primeira linha não liga perfeitamente ao que vem depois, no entanto, ao mesmo tempo, segue e liga e segue de novo na ânsia de que o texto termine logo, de que o sofrimento termine logo, de que a violência e os números de guerra no Rio de janeiro terminem logo, de que a sequência inexata das palavras termine logo, de que a pressa desse mundo, assim como os discursos e gestos tresloucados de Trump terminem logo para que termine logo a fúria humana no mundo, pois corpos, aos montes, confundem os barcos na travessia do Mediterrâneo, pois poucas ondas não escondem discurso e punho, pois linhas vão e linhas vêm e a esperança parece terminar com o sol da última manhã de inverno. Frio. Tenso. Filas. Vômito. Em vão as portas. Vão. Escuro. Tenso. Tensoativo. Tensoativa prisão. Prisão das coisas. Prisão dos homens. Prisão dos desejos. Ferro. Política. Medo. Panfleto. Coisas porque a palavra coisas é melhor do que qualquer outra porque não tem nome e tem nome de tudo e de todos. Corte. Norte. Morte. Direita e esquerda. Direita. Esquerda. Centro. Não. Sim. Manifestação. O navegante embrulha o estômago. Navio cego nas brumas da corrupção. Navio torto. Amplidão. E o oceano grita e gesticula. É o monstro dos tempos do descobrimento, mas engole hoje o futuro. Texto cansado como cansado o mundo. Texto quebrado como quebrado o mundo. Fragmento. Torcido. Jogado ao canto. Esmigalhado. Aos trapos. Para o mundo, sinal fechado.